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Sensoriamento remoto: a nova era do mapeamento terrestre

Os satélites possuem sensores capazes de captar e registrar o comprimento de onda refletido por determinado alvo na superfície terrestre


A coleta e o processamento de dados para a construção de mapas que representem diferentes aspectos da superfície terrestre é uma atividade que se iniciou por volta do século XV e que não tem prazo para terminar. A incorporação do sensoriamento remoto – técnica que envolve a análise e interpretação de imagens de satélite – à cartografia, a partir de 1960, representou uma evolução para o mapeamento, abrindo novos campos de pesquisa, como o monitoramento da paisagem em tempo real, a modelagem de riscos epidemiológicos, entre outras aplicações. É difícil prever até onde essa tecnologia poderá avançar.

Quando se fala em imagens de satélite, surge em nosso imaginário a ideia de uma “fotografia do espaço”. Segundo Milton Cezar Ribeiro, doutor em ecologia de paisagens pela Universidade de São Paulo (USP) e que faz pós-doutorado no Instituto de Biociências de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), a idealização não está muito longe da realidade. “Uma imagem de satélite nada mais é do que uma câmera digital acoplada em um satélite que fica dando voltas sincronizadas no globo. Antigamente, poderíamos dizer que chamar imagem de satélite de “fotografia do espaço” seria incorreto, pois as definições eram grosseiras. Mas hoje o sensoriamento remoto permite mapear elementos com até 50 cm de resolução espacial, que representa a distância mínima em que é possível distinguir dois pontos na superfície terrestre”, explica.

Os satélites possuem sensores capazes de captar e registrar o comprimento de onda refletido por determinado alvo na superfície terrestre, o que é chamado de assinatura espectral. Ao ativar as bandas correspondentes a esse comprimento de onda do espectro eletromagnético, os dados captados pelo sensor são convertidos em uma imagem que, depois de corrigida, pode ser interpretada pelos especialistas e até mesmo por leigos.

A série Spot (do francês, Satellite pour l’Observation de la Terre), por exemplo, é um conjunto de três satélites atualmente operantes na órbita terrestre muito utilizado para estudos ecológicos da paisagem. O sensor do SPOT 4 possui quatro bandas na faixa multiespectral – verde, vermelho, infravermelho próximo (IVP) e infravermelho médio (IVM) – que podem gerar imagens com diferentes características e resoluções espaciais (para saber mais sobre a resolução de diferentes sensores, consulte Sistemas Orbitais de Monitoramento e Gestão Territorial). As imagens coloridas, como aquelas disponibilizadas no Google Earth, por exemplo, são resultantes da combinação dessas bandas.
 
 

O ganho de definição e a possibilidade de mapear áreas extensas, como a região amazônica, fez do sensoriamento remoto uma ferramenta muito mais popular do que a aerofotogrametria – técnica usada para a elaboração de mapas a partir de fotografias aéreas. “Exceto no caso de levantamentos em que é necessária uma alta definição cartográfica para a obtenção de medidas confiáveis do terreno, as imagens de satélite têm cumprido muito bem seu papel para uma infinidade de estudos e por um preço bem mais acessível do que as fotos aéreas”, afirma Ribeiro.

Mesmo o Brasil não sendo pioneiro na área de sensoriamento remoto ou no lançamento de satélites, o país assumiu a vanguarda na disponibilização de imagens gratuitas na internet. “Antes do Dr. Gilberto Câmara, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), liberar o programa Spring, gastava-se US$ 10 mil por uma licença – para uso em um único computador – do software ArcGIS, um outro programa para processamento de imagens. O passo seguinte foi a liberação de imagens dos CBERS, satélites desenvolvidos pelo Brasil em parceria com a China, que fornecem imagens gratuitas com resolução de até três metros”, explica o professor da Unesp. Atualmente, o Brasil conta com uma excelente cobertura por imagens gratuitas do Programa CBERS, do satélite americano Landsat e, mais recentemente, do satélite indiano IRS, o que garante a continuidade de diversos estudos, como o de monitoramento da Amazônia.

Aplicações do sensoriamento remoto para a cartografia

O reconhecimento de áreas com mesma assinatura espectral permite, então, a classificação dos elementos da paisagem para mapear os temas de interesse, como a cobertura vegetal, o solo, os recursos minerais, os corpos d’água ou as áreas urbanizadas. Esse processo de classificação pode ser feito automaticamente, quando são utilizados algoritmos que calculam a proporção de cada componente com mesma assinatura por pixel – o menor elemento de exibição – da imagem, ou com auxílio visual, quando cada classe é contornada manualmente.

“Todo mapeamento que se preze requer checagens de campo, uma vez que mais de um tipo de cobertura pode apresentar a mesma assinatura espectral. O ideal é fazer uma calibração de feições em campo antes de começar o mapeamento, durante a execução e, ao final, para avaliar a qualidade do mapa gerado”, aponta Ribeiro. A partir da classificação, uma série de estudos cartográficos têm sido desenvolvidos com as técnicas de sensoriamento remoto.

Um dos mais famosos e conhecidos é o Programa de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia (Prodes), desenvolvido pelo Inpe desde 1988. Utilizando imagens enviadas pelo Landsat e CBERS, o Inpe monitora anualmente o desmatamento do tipo “corte raso”, superior a 6,25 ha, na região amazônica, tornando os dados públicos em seu portal (Acesse Projeto Prodes). Depois de processadas, as informações de um ano são comparadas com as do ano anterior para a determinação da taxa anual de desmatamento.

Segundo os relatórios publicados, nos últimos 10 anos, a taxa de desmatamento atingiu seu maior índice no ano de 2004, quando foi detectado um desmatamento de 27.772 km2. A partir de então, houve uma queda significativa até atingir o menor índice registrado desde 1988, que foi de 7.464 km2 em 2009. Não deu nem tempo de comemorar e o Inpe já declarou que a taxa de desmatamento voltou a subir este ano, especialmente nos estados de Mato Grosso e Pará (Leia “Volta ao passado na Amazônia?”).


Um dos problemas que o Prodes enfrenta é a quantidade de nuvens que recobre a região durante o verão. Desse modo, a taxa de desmatamento precisa ser estimada para as áreas que ficam recobertas. Segundo Dalton Valeriano, coordenador do programa, em entrevista concedida à revista Pesquisa FAPESP (Leia “A arte de varrer nuvens”), esse porcentual de “não-observado” varia de 10 a 15%.

Na tentativa de acompanhar o desmatamento na Amazônia em tempo real, o Inpe iniciou, em 2004, o projeto Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), no qual é utilizado o sensor Modis/Terra. Embora o satélite tenha menor resolução espacial que o Landsat e o CBERS – 250 metros – sua resolução temporal de 1 a 2 dias confere maior suporte às medidas fiscalizadoras de prevenção, e não só uma avaliação do que já foi desmatado, como faz o Prodes. Para o mês de julho deste ano, o Deter estimou que 485 km2 da região amazônica sofreram corte raso, sendo vários pontos de alerta emitidos para a fiscalização.


Ao contrário da Amazônia, o Cerrado (Leia “Busca por números da devastação”) é bem mais complicado de ter sua taxa de desmatamento monitorada em função de sua sazonalidade natural, cuja precipitação chega a ser quatro vezes menor na estação seca, que vai de maio a setembro, do que na estação chuvosa. “O Cerrado pega fogo e fica preto, como as áreas de desmatamento. No ano seguinte, volta a ser Cerrado e induz a taxas de erro muito grandes”, afirma Valeriano.

Mesmo com as dificuldades inerentes, vários institutos de pesquisa usam as técnicas de sensoriamento remoto para mapear a cobertura vegetal do Cerrado. Dentre eles, destaca-se o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), responsável pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento dos Biomas Brasileiros por Satélite) desde 2002.

Utilizando também as imagens disponíveis gratuitamente, o Ibama afirma que 48% do Cerrado já foi desmatado até o ano de 2008. Segundo o mapeamento, a devastação dos últimos anos parece estar mais concentrada na porção norte do bioma, onde estão localizados os grandes remanescentes. Contudo, o Ibama não classifica as áreas antropizadas em pastos ou áreas agrícolas, o que seria de grande valia para entender qual foi o uso dado a cada hectare desmatado.


Além disso, os números divergem daqueles publicados por outros centros de pesquisa, como o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás, que aponta uma perda de 41% da cobertura vegetal do Cerrado até 2009, ou seja, 7% a menos do que o sugerido pelo Ibama. Além das dificuldades “naturais” de interpretação das imagens do Cerrado, as diferenças se devem também a questões metodológicas, como a base de dados utilizada e a forma como foi feita a interpretação dessas imagens.

Aplicações diversas

Estudos bastante inusitados são realizados com as técnicas de sensoriamento remoto, como a epidemiologia da paisagem, uma das linhas de pesquisa do Laboratório de Paisagem e Conservação (LEPaC). Cristiana Aparício, em seu mestrado sobre as áreas de incidência de leishmaniose tegumentar americana (acesse a dissertação) explica que “conhecendo as exigências ambientais dos transmissores e reservatórios de doenças, é possível prever riscos de uma epidemia a partir da análise das variáveis ambientais”.


(“Modelagem espacial de zonas de risco da leishmaniose tegumentar americana”)
Para modelar o risco epidemiológico da leishmaniose, a pesquisadora fez o processamento dos dados referentes à altitude, densidade da vegetação e desmatamento na região de Itapira, interior do estado de São Paulo, o que resultou no mapeamento das possíveis zonas de risco de contato entre o mosquito transmissor e o homem. Os resultados sugerem que a presença de vegetação densa ao redor dos fragmentos facilita a dispersão do mosquito a distâncias maiores que 250 metros em Itapira e que há um processo de domiciliação dos mosquitos transmissores na área de estudo.

Outra área de estudos que tem feito uso da técnica, menos divulgada pela mídia, é a da exploração mineral. Carlos Roberto de Souza, engenheiro geólogo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em associação com o geólogo Álvaro Crósta, coordena um projeto para a catalogação das assinaturas espectrais de diferentes minerais e localização de jazidas, que vão de metais, como o ouro e o cobre, ao petróleo.

“No caso das jazidas, o número de bandas é mais importante do que uma resolução muito alta, como aquela oferecida pelos satélites Ikonos ou Quickbird 1 a 4 metros”, declara Souza em matéria para o jornal O Estado de S. Paulo (Leia Unicamp pesquisa jazidas por satélite). Por isso, os pesquisadores trabalham com sensores como o Aster/Terra, que têm 14 bandas espectrais. Algumas dessas bandas têm capacidade de identificar os espectros dos minerais de alteração hidrotermal – minerais formados a partir da ação da água – presentes no solo. A partir da refletância desses minerais, são obtidos mapas que indicam os possíveis locais de jazidas que, por sua vez, são visitados por técnicos a fim de avaliar sua viabilidade para a exploração mineral.

A técnica, que tem sido aplicada em diversas partes da América do Sul, dificilmente poderia ser aplicada na região amazônica, onde a vegetação densa dificultaria o registro da assinatura espectral dos minerais hidrotermais. “Mas em áreas em que a vegetação é esparsa e sobre as quais temos pouco conhecimento geológico, como partes das regiões Centro-Oeste e Nordeste do Brasil, o mapeamento de minerais de alteração hidrotermal por sensoriamento remoto pode ser empregado sem dificuldades”, declara Crósta em entrevista ao Jornal da Unicamp (Leia “Imagens que vale ouro”).

Jazidas de petróleo e gás natural também podem ser identificadas com auxílio do sensoriamento remoto, mesmo não estando presentes na superfície. Isso é possível porque, durante a formação desses combustíveis fósseis no subsolo, ocorre uma alteração na constituição dos minerais presentes no solo, que podem ser identificados a partir das imagens de satélite. Dessa forma é possível fazer um mapeamento, de forma indireta, até de nosso subsolo!

Os avanços são tantos na área de sensoriamento remoto que não seria surpresa se em pouco tempo se tornasse possível mapear o interior de nossas casas. Porém, diferente da aceitação e até admiração pela tecnologia nos usos abordados, este avanço talvez encontrasse certa oposição, a exemplo do que tem sido observado na implementação do Google Street View.

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