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A lição do trigo no Mercosul


Aroldo Gallon Linhares
Por ocasião das discussões iniciais no Brasil, as quais resultaram no acordo do Mercosul, uma tese muito simplista propunha o equacionamento das necessidades do país quanto ao abastecimento de trigo.
Defendida por setores industriais/comerciais do sudeste industrializado, a solução seria muito prática: o Brasil importaria todo o trigo de que necessitasse da Argentina, não precisando mais se preocupar em produzir. Em contrapartida, a Argentina teria de importar produtos industriais brasileiros, alguns com dificuldade de aceitação até no mercado interno.

Bom para os dois. O trigo brasileiro “não tinha qualidade” e o argentino era tudo de bom, especialmente se fosse a um preço barato. O Brasil não iria mais gastar com pesquisa em trigo; a produção nacional, às vezes um pouco complicada, deixaria de incomodar o governo e as grandes indústrias de moagem, por sua vez, livrar-se-iam de um incômodo.
Assim, por aqui estaria tudo bem. Não se sabe como os argentinos reagiriam quanto à qualidade e ao preço dos produtos industrializados brasileiros que iriam nesse pacote maroto.
A medida esteve a ponto de ser sacramentada. Contra isso, destacou-se a figura do dr. Ady Raul da Silva. Engenheiro agrônomo, pesquisador do Ministério da Agricultura e da Embrapa, professor de Agronomia, melhorista de trigo, foi um de nossos raros cientistas da área agrícola, fazendo jus ao título de “Philosophy Doctor”, adquirido com brilho nos Estado Unidos quando isso ainda era novidade no Brasil.
Indignado com o que estava para ocorrer, o dr. Ady lançou-se numa cruzada contra os que queriam acabar com a produção de trigo em nosso país. Contra isso, escreveu, palestrou, divulgou, bateu em portas de gabinetes em Brasília, incomodou a ministros. Tornou-se
persona non grata para os que defendiam a barganha.
Ao cabo, e por razões que o autor desconhece, ou esqueceu, a ameaça não se concretizou e o trigo no Brasil conseguiu sobreviver. Hoje está aí, contribuindo para que não falte o tal pãozinho francês, além de outros derivados do trigo importantes na alimentação dos brasileiros, pois o produto importado anda escasso e caro.
Por essas coisas que somente a vida nos ensina e que são difíceis de prever, o que seria o celeiro de trigo do Brasil encontra-se, atualmente, com dificuldade de prover o grão para o seu próprio povo. Fatores comerciais - soja, milho e outras culturas ganhando espaço - reduziram a área de cultivo de trigo na Argentina nos últimos anos. Condições climáticas extremamente desfavoráveis em 2012 reduziram de forma acentuada a produção e a qualidade. Esta, aliás, há algum tempo deixou de apresentar o padrão que caracterizava o produto desse país. Some-se a tudo isso uma política governamental considerada injusta pelos produtores.
Produzir trigo no Brasil é fácil? Em algumas regiões, sim, outras apresentam algumas limitações, como também ocorre em outros países produtores.
Num país cujo consumo de trigo é crescente, e que aumenta com a elevação do padrão de vida dos cidadãos, não apoiar a produção interna é uma irresponsabilidade. Aí está o exemplo do Mercosul a nos servir de lição.
 

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