Essa semana que passou estava num voo de São Paulo a Cuiabá quando ouvi, no assento atrás do meu, um senhor cheio de entusiasmo contar sobre a cenoura e o nabo que nasceram sem o uso de químico na horta de sua casa, e da manga carregada, doce, saudável, “livre de agrotóxico”, como ele disse. Sorri por dentro. Aquilo me pareceu esperança. Mas quando o avião pousou e olhei para trás, percebi que aquele mesmo homem vestia a camisa de uma empresa multinacional de produtos químicos para o agronegócio. Ele celebrava o alimento limpo que produzia para si e para a família, mas vivia de vender veneno para todos os outros.
E ali, naquele instante, uma verdade me atravessou como um raio: esse é o retrato perfeito do modelo de negócios do agronegócio moderno — um modelo baseado na doença. Um sistema que não prospera quando há saúde, mas sim quando há dependência. Onde curar interrompe o fluxo de receita, mas adoecer garante lucro eterno. Solos equilibrados não dão faturamento, mas solos doentes, dependentes, alimentam dividendos todos os anos. O produtor rural se torna, sem perceber, um escravo, um dependente químico — e não de drogas, mas de pacotes tecnológicos que o aprisionam numa roda de doença que nunca para de girar.
Pense comigo: não é o fungo que te mata. Não é o nematoide. O que realmente nos mata são os conceitos, por muitas vezes, sabidamente mentirosos, que nos vendem para nos manter presos. Conceitos embalados em propaganda, em discurso “científico”, em marketing verde. E eu, naquele voo, quase acreditei. Quase fui levado pela conversa de que aquele homem poderia ser um guardião do saudável. Ledo engano. A realidade se impôs. Para si e os seus, ele busca vida; para o resto da humanidade, vende doença. E assim fazem não apenas alguns, mas muitos. Muitos dos atores da engrenagem do agro, em maior ou menor grau, alimentam esse mesmo sistema. E na grande maioria das vezes, sem saber. E no seu epicentro está o produtor. Pobre produtor.
O engraçado é que esses mesmos atores que alimentam esse sistema no agro vivem o papel do produtor quando falamos de saúde humana e da indústria farmacêutica.
Nós vivemos em um tempo em que a medicina e a agricultura parecem correr contra o relógio, tentando remediar problemas que, na verdade, poderiam ser evitados ou drasticamente reduzidos se olhássemos para a raiz da questão.
No corpo humano, já sabemos: as doenças não surgem do nada. Elas são multifatoriais. Um quadro de diabetes, por exemplo, não é causado apenas por excesso de açúcar — envolve genética, estresse, inflamação crônica e, principalmente, desequilíbrios no microbioma intestinal. A ciência já provou que o conjunto de microrganismos que habita nosso corpo influencia a imunidade, o metabolismo, a saúde mental e até a resposta a medicamentos.
Na agricultura, a lógica é exatamente a mesma. O solo é o "intestino" da planta. Um solo degradado, desequilibrado microbiologicamente, é mais suscetível a pragas e doenças. Quando surge um fungo ou uma bactéria nociva, muitos correm para o defensivo agrícola — o “remédio” vendido pelo cidadão do avião — sem se perguntar: por que esse patógeno se instalou? A resposta sempre estará em um desequilíbrio anterior. E é ali que está o segredo da cura real.
Tratar apenas o sintoma — por exemplo, pulverizar um fungicida sem corrigir a biologia e a estrutura do solo — é como pintar a ferrugem no carro e achar que o problema desapareceu. A doença volta, e geralmente mais resistente. Os produtores vivenciam isso safra após safra.
A verdade é a seguinte: alterou-se a diversidade microbiana? Abre-se a porta para alergias, obesidade, doenças autoimunes e até certos tipos de câncer. Alterou-se a diversidade microbiana? Abre-se a porta para doenças no solo e na planta.
A mensagem é clara: doenças, seja no corpo humano ou na agricultura, são mensagens de desequilíbrio. O verdadeiro profissional — seja médico, agrônomo ou produtor — não é o que “apaga incêndios”, mas o que entende o incêndio como consequência de uma fagulha mal controlada, e age na causa.
É hora de uma consciência coletiva. Uma espécie de despertar do gigante. Não podemos mais ser ingênuos: não existe saúde individual em um planeta doente. Cada recomendação técnica é um ato de responsabilidade. E cada silêncio diante um modelo de negócios de doença é cumplicidade. A escolha está diante de nós. Remediar é urgente. Prevenir é estratégico. Mas corrigir as causas é revolucionário.