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Quem é Amartya Sen?


Carlos Roberto Velho Cirne Lima

Amartya Sen, economista hindu, professor de Ciências Econômicas na Universidade de Harvard e na Universidade de Oxford e de Cambridge, prêmio Nobel de Economia em l998, é hoje um dos maiores especialistas do mundo no que toca a questões de pobreza. O que é pobreza? Qual sua origem? Como superá-la? Estas são as questões que inspiraram as muitas dezenas de trabalhos científicos publicados por este scholar oriundo de um país do terceiro mundo, mas que trabalha, ensina e é reconhecido como um dos grandes mestres de Economia nas melhores Universidades do primeiro mundo. Em oposição aos manuais por assim dizer clássicos de Economia, Amartya Sen estuda e procura imbricar diferentes instituições: o estado, o mercado, a influência dos meios de comunicação, a diferença e, muitas vezes, a oposição dos diferentes grupos que compõem a sociedade, as organizações não-governamentais. Sen, ao invés de somente cortar e separar - método analítico -, tenta juntar e conciliar - método dialético -. Estado e mercado se opõem e se excluem? Não, ambos se complementam, de sorte que é um impensável sem o outro. Aqui, como em todos os casos acima citados, é completamente errado separar os opostos e, depois, optar por um deles, que seria o bem, e jogar o outro, que seria o mal, na lata do lixo intelectual e político. O método correto é exatamente o oposto. É preciso saber imbricar os opostos, aparentemente excludentes, e trazê-los a um nível mais alto, onde então ambos se complementam e se frutificam mutuamente.

Isso parece ser oriundo da pena de Hegel: dialética, jogo dos opostos, síntese e conciliação. De fato, estes termos e esta postura intelectual são típicos dos sistemas neoplatônicos, este é o método dos sistemas de Platão, Plotino e Proclo, de Schelling, Hegel e Karl Marx. Mas Amartya Sen, embora cite frequentemente Marx, não é marxista, nem mesmo socialista. Hegel, ele não o cita. Quem é citado é Adam Smith, o pai do liberalismo, sempre mencionado muito mais vezes e em contextos mais importantes do que Karl Marx. Mas, afinal, quem é realmente Amartya Sen?

Além dos inúmeros trabalhos de análise econômica dedicados a tópicos específicos de pobreza (como, por exemplo, o livro Poverty and Famines, Oxford: Clarendon Press, 1981), Amartya Sen ousou mexer na própria base conceitual do sistema econômico. Em oposição aos sistemas econômicos clássicos, Sen introduz como um dos fundamentos da economia (essa a terminologia dos técnicos) o exercício da liberdade de escolha. Isso significa que sem a livre escolha dos cidadãos, sem eleições, sem democracia, é impossível combater e superar a pobreza. A democracia torna-se, assim, um dos elementos constitutivos dos fundamentos da Economia. Ou, formulado de maneira negativa: Onde não há democracia, é impossível - a prazo médio e longo - superar a pobreza. Expressando o mesmo pensamento de maneira ainda mais dura e mais clara: Aquilo que os socialistas chamam de democracia, ou seja, a ditadura do proletariado, não permite que se consiga superar a pobreza. Amartya não se limita a apontar o evidente fracasso em todos, sim, em todos os países que adotaram o socialismo ou o comunismo, tentando eliminar a pobreza através de um estado totalitário, isto é, eliminando a verdadeira democracia, a imprensa livre, eleições realmente livres etc. Ele vai bem mais além. Ele mexe nos fundamentos da teoria (cf. Development as Freedom, New York: Random House,1999).

Bem no âmago da teoria clássica neoliberal está a identificação entre escolha e bem-estar. Ou seja, o bem-estar é aquilo e somente aquilo que se escolhe, aquilo que as pessoas preferem. As preferências, entretanto, são algo puramente subjetivo, são mero produto de escolhas individuais. A Economia, no entanto, como ciência, deve estruturar conceitualmente um subsistema de relações humanas - as relações econômicas - e, na medida do possível, como qualquer ciência, fazer prognósticos. Ora, se as preferências são meramente subjetivas, como utilizá-las como ponto teórico de referência? Como saber o que é bem-estar, que é o próprio fundamento da Economia, se este é idêntico a algo meramente subjetivo? O assim chamado teorema de Arrow, fundamental nas teorias neoliberais, vai mais além. É impossível - afirma - comparar de maneira interpessoal e objetiva as múltiplas preferências subjetivas. Assim sendo, o bem-estar, conceito básico da Economia, fica um conceito indeterminado e aberto a múltiplas interpretações, inclusive a interpretações absolutamente perversas.

Amartya Sen ousa mexer nestes fundamentos. Ele nega a validade do teorema de Arrow e afirma que é possível, sim, determinar objetivamente certas preferências básicas, que são parte constituinte de todo e qualquer ser humano (aqui a influência visível do conceito de homem de Aristóteles). Dentre estas preferências básicas, das quais ninguém quer nem pode abrir mão, está o livre exercício de escolha de seu modo de viver. Sem liberdade, portanto, não há bem-estar; e como o bem-estar é o próprio fundamento da Economia, sem liberdade não há Economia. A Economia que pretender se articular sem liberdade está condenada ao fracasso tanto no plano lógico como no plano real. No plano lógico, ela peca por indeterminidade de seu primeiro princípio. No plano prático, ao invés de eliminar a pobreza, ela a engendra e alimenta. Sem liberdade, sem democracia, sem eleições, sem imprensa livre, a Economia está sempre fadada ao insucesso.

Se e enquanto socialismo significa a ditadura do proletariado, está desde sempre certo - pela estrutura lógica do sistema econômico - que, implantado este sistema, a pobreza e a miséria só vão aumentar. Mas, perguntemos mais uma vez: Quem é Amartya Sen? Um neoliberal ou um social-democrata? Não sei. Mas, como ele está vivo, lúcido, lecionando em Cambridge, bem que a gente poderia colocar a pergunta a ele mesmo. Por que ele, o maior especialista em pobreza que temos hoje, não foi convidado para o Forum Social? Também não sei.

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