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Uma idéia para o Brasil


Richard Jakubaszko

Um “case” que alterou comportamentos *

O produtor rural é um conservador por necessidade, mas é um inovador por convicção. Da mesma forma que as populações pobres e carentes espalhadas pelo Brasil adentro. O grande problema dessas populações é que faltam recursos financeiros e conhecimentos. Com base nessa característica, em relação às experiências dessas pessoas, criou-se no Brasil, na década de 1960, o programa dos “Clubes 4 S”. Os quatro “S” significavam: saber para sentir, saúde para servir. Era o equivalente tupiniquim dos “Clubes 4 H”, implantados nos anos de 1920 e 1930 nos Estados Unidos, de tradução literal, ao menos na forma de atuar.

Os “Clubes 4 S”, entidades sem fins lucrativos, tinham como objetivo principal melhorar as condições socioeconômicas de populações rurais, ou melhor, não urbanas. Eram mantidos por intermédio e através de contribuições financeiras de empresas como a Sears Roebuck, IBM, Massey Ferguson, e, se não me engano, o International Basic Economic Corporation (IBEC), um braço dos investimentos do Chase Manhattan Bank (Fundação Rockfeller) para a América Latina, que na época tinha participação acionária na Agroceres, na Avisco Rações e Avicultura, no Banco Lar Brasileiro, entre outras empresas.

A visão era de médio e longo prazo e teve efeitos altamente positivos. As empresas mantenedoras, nos discursos de justificativas a seus acionistas, alegavam que estariam desenvolvendo e criando futuros novos consumidores para seus produtos e serviços, porque na situação de miserabilidade em que viviam algumas dessas populações não urbanas, elas nunca teriam condições de consumir nada. Mas os investimentos, em verdade, eram muito pequenos.

Os “Clubes 4 S”, em essência, desenvolviam um trabalho de extensão cultural. Levavam experiências e ensinamentos básicos a pequenos grupos em microrregiões carentes, a partir de necessidades previamente detectadas, fosse economia doméstica, higiene básica ou preventiva, cooperativismo, artesanato e, principalmente, produção agropecuária. Trabalhavam com estudantes e recém formados voluntários, que tinham, assim, a possibilidade de viajar e também de aplicar e colocar em prática seus conhecimentos acadêmicos e teóricos.

Na área rural atuavam os formandos em Agronomia, Veterinária e Zootecnia, que ensinavam aos jovens filhos de pequenos produtores rurais como produzir com maior nível de produtividade, e sempre na mesma atividade de seus pais. Os pais eram “convencidos” a ceder uma parte pequena de suas terras e, a partir da orientação recebida, os filhos usavam técnicas mais modernas de plantio ou criação, porém sem grandes sofisticações nem investimentos, já que os recursos eram escassos. Invariavelmente obtinham produtividade três a cinco vezes maior que aquela que seus pais conseguiam com técnicas antigas e obsoletas. Essa experiência funcionava como uma bomba-relógio de efeito retardado, mas de grande eficácia; afinal de contas, o filho jovem, tabaréu e imberbe, inexperiente, dava mostras de inteligência, sapiência e competência. Com rima ou sem rima, num primeiro momento o pai ficava meio abobado ou estupefato, como se dizia antigamente.

Mas, ao se recobrar da zonzeira, entre curioso e orgulhoso, ele se chegava mais perto e queria saber como é que aquilo tinha sido possível, pois ele “tava na roça” havia mais de 15, 20 ou 25 anos e nunca tinha visto nada igual. Pronto, ele estava fisgado e maduro o suficiente para abolir velhos preconceitos e as antigas práticas culturais herdadas de seus pais e avós, que se vinham repetindo desde o final do século XIX ou desde o início do século XX.

Conseguia-se o mais difícil de tudo: velhos métodos caíam por terra, possibilitando-se a partir daí, com a melhoria da renda, a introdução de técnicas de produção mais modernas ainda e, simultaneamente, criando-se um novo consumidor em potencial para produtos e serviços urbanos. Aquele produtor, a partir daquele momento, começava a ter renda. Não sei não, mas o pessoal de antigamente – década de 1950 e 1960 – me parecia mais inteligente e mais capitalista do que hoje em dia.

O que importa saber, para quem não conhecia esse programa dos “Clubes 4 S”, é que dezenas de técnicas modernas foram introduzidas (ou tiveram grande reforço na divulgação) na agropecuária brasileira, e também na norte-americana, por intermédio dos valentes extensionistas. Entre outras grandes contribuições pode-se destacar a introdução e popularização do uso de herbicidas e das sementes de milho híbrido.

Houve um programa brasileiro semelhante aos “Clubes 4 S”, estabelecido pelo governo militar, nas décadas de 1960 e 1970, chamado de “Projeto Rondon”, que teria sido criado pelo Marechal Rondon, militar, desbravador e indigenista, e que levava para populações carentes, da Amazônia e do Centro Oeste brasileiro, alfabetização básica, informações sobre higiene, economia doméstica, saúde etc. Foi um programa que chegou a contar pontos para universitários, na medida em que médicos e odontologistas, entre outros profissionais, podiam substituir o período de residência pelas atividades no Projeto Rondon.

Na minha opinião, seria altamente inteligente e produtivo reeditarem-se programas dessa natureza nos anos dois mil aqui no Brasil, mesmo que substituindo os chamados períodos de residência para médicos, por exemplo, e deveria ser obrigatório a todo universitário que viesse a se formar em faculdade pública. Seria uma forma de o universitário ressarcir à sociedade os investimentos feitos nele.
Alguém aí acha essa idéia exeqüível? Pois que a divulgue, e faça-a chegar até deputados, ministros, enfim, alguém que tenha condições de levar isso adiante.

* Este é um capítulo adaptado e resumido do livro “Marketing rural: como se comunicar com o homem que fala com Deus”, 208 p., autoria de Richard Jakubaszko, e que está em sua 2ª edição (2007) pela Editora UFV, da Universidade Federal de Viçosa – MG www.livraria.ufv.br

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