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Uso do Fogo no Manejo de Pastagens


Newton de Lucena Costa

Introdução

O fogo é uma prática comumente utilizada no manejo de pastagens, pois apresenta baixo custo e fácil aplicação. Nas pastagens nativas dos lavrados de Roraima, onde predominam gramíneas de baixa produtividade e limitado valor nutritivo, é uma prática rotineira e amplamente difundida, contudo, em pastagens cultivadas a utilização do fogo é menos freqüente como conseqüência das restrições ambientais e técnicas. Sua principal finalidade é a eliminação da biomassa seca acumulada e não consumida pelos animais durante o período de estiagem, proporcionando uma rebrota mais tenra, palatável e de melhor valor nutritivo, notadamente, em períodos de escassez de forragem. Ademais, a queima suprime a ação seletiva dos animais no consumo da forragem disponível, pois elimina igualmente espécies de menor valor nutritivo que, por serem rejeitadas, tendem a aumentar sua freqüência ao longo dos anos, bem como espécies de maior valor, altamente selecionadas, que tendem a reduzir sua disponibilidade com o pastejo (Arias, 1963; Paladines, 1974). Contudo, a utilização indiscriminada e freqüente do fogo pode contribuir para a redução do potencial produtivo das pastagens, seja nativa ou cultivada, em decorrência de seus efeitos sobre a ciclagem de nutrientes, estabilidade e produção da vegetação, floração, dispersão e germinação de sementes e sobrevivência da flora e fauna (Pressland, 1982; Coutinho, 1977, 1994). O fogo afeta diretamente o crescimento, a sobrevivência e a reprodução das plantas, além de atuar de forma significativa sobre a dinâmica do banco de sementes, representando um distúrbio que pode eliminarr plantas adultas, abrindo espaços e promovendo a sucessão vegetal e contribuindo para que acentuadas mudanças ocorram na composição florística das pastagens nativas ou cultivadas (Coutinho, 1977; Steuter & McPherson, 1995; Bond & Wilgen, 1996). O processo de adaptação das gramíneas ao fogo evoluiu sob determinadas condições ambientais em uma escala temporal e espacial sendo a extensão do distúrbio ajustada às variações climáticas e topográficas (Steuter & McPherson, 1995). O fogo pode estressar plantas individuais por consumir reservas que sustentam o crescimento, bem como comunidades de plantas por reduzir a fertilidade e umidade do solo através do aumento na evapotranspiração e no deflúvio superficial (Steuter & McPherson, 1995). A sobrevivência das gramíneas ao fogo depende, em ordem decrescente, do grau de proteção de suas gemas, da intensidade e duração das chamas e do intervalo entre queimadas (Coutinho, 1977; Andrade et al., 1992; Steuter & McPherson, 1995). Plantas com menor relação folha/colmo, colmos mais espessos, baixa produção de material morto na época seca e maior massa residual após a queima, apresentam melhor adaptação ao fogo (Macedo, 1995). A maior eficiência produtiva de algumas gramíneas em áreas queimadas pode estar associada à sua maior plasticidade fisiológica, de forma que apresentam maior fotossíntese, condutância foliar, concentração de N na folha e aumento na eficiência de uso da água durante a seca, por desenvolver menor potencial osmótico, em relação às plantas de áreas não queimadas (Knapp, 1985). O contínuo crescimento foliar do meristema intercalar e de novos afilhos, oriundos de meristemas protegidos abaixo do solo ou na base das bainhas persistentes conferem às gramíneas uma ampla adaptação ao fogo (Bond & Wilgen, 1996). Neste trabalho são revisados os efeitos do fogo sobre a fertilidade do solo, produtividade e composição química da forragem de gramíneas forrageiras nativas ou cultivadas.

1. Efeito do Fogo na Fertilidade do solo

No processo de queima das pastagens, a maior parte da biomassa vegetal, contida acima do solo é destruída e transformada em cinzas, gases e partículas aéreas. As cinzas podem ser incorporadas ao solo, aumentando temporariamente a disponibilidade de nutrientes, ou ser perdida, principalmente por erosão, causada pela água da chuva ou pelo vento, como decorrência da desproteção do solo. Em função da intensidade do fogo, a atividade biológica de macro e microrganismos, notadamente nas camadas superficiais do solo, torna-se deprimida, com a conseqüente diminuição dos teores de matéria orgânica (Dias Filho, 2003). Contudo, o efeito do fogo sobre as características químicas do solo está diretamente relacionada à temperatura que pode ser atingida em sua superfície, a qual é dependente da quantidade de material combustível e das condições ambientais. Costa et al. (1986), em pastagens de Panicum maximum, verificaram que os teores de carbono orgânico e nitrogênio total do solo não foram afetados pela queima, quando comparados à roçagem ou ao tratamento testemunha, independentemente da hora (matunina, meio-dia e vespertina) e da época da queimada (setembro ou novembro), o que foi atribuído ao fato de o fogo ter sido aplicado a favor do vento, proporcionando uma queima rápida com menor elevação de temperatura, comparativamente a uma queima lenta realizada contra o vento. Para pastagens nativas há um ano sem queima, Potes et al. (2007) constataram maiores teores de carbono, independentemente da profundidade do solo (0 a 5; 5 a 10 ou 10 a 15 cm), comparativamente a pastagem sem queima há cinco anos; os teores de nitrogênio não foram afetados pela freqüência da queima, enquanto que a pastagem submetida a queimas freqüentes apresentou resíduos orgânicos com maiores relações carbono/nitrogênio. Em pastagens de Hyparhenia rufa, os teores de matéria orgânica, na profundidade de 5 cm, foram reduzidos de 3,5% para 2,7% com a utilização da queima (Lourenço et al., 1976). Resultados semelhantes foram relatados por Wright (1974) que estimaram perdas de matéria orgânica de 0,08 a 0,56%, correspondentes às áreas com declividade moderada (8,2%) e íngreme (37 a 61%), respectivamente. Com a incineração da biomassa, grande parte dos nutrientes não voláteis do ecossistema são colocados de uma vez sobre a superfície do solo, o que afeta fortemente as condições químicas da camada superficial do solo, produzindo uma diminuição da saturação de Al, um aumento do pH, das bases trocáveis (principalmente Ca, Mg e K) e do P (Falesi, 1976; Serrão & Falesi, 1977; Serrão et al., 1979). Exceto para o carbono, que pode ser rapidamente reabsorvido da atmosfera, via fotossíntese, através do novo crescimento da planta forrageira, os demais nutrientes volatilizados durante a queima e indisponibilizados para a pastagem, em geral, não são naturalmente recuperados através do tempo (Dias Filho, 2003). Avaliando o balanço de nitrogênio em pastagens nativas de Trachypogon spp., Medina (1982) estimou em 8,5 kg de N/ha/ano as perdas decorrentes da queimada e em apenas 2,6 kg de N/ha/ano a entrada no sistema solo-planta via precipitação. Como a absorção da gramínea foi de 14,8 kg de N/ha/ano e o seu requerimento para formar novos tecidos foi de 30 kg de N/ha/ano, neste sistema de manejo há um déficit superior a 50% na disponibilidade do nutriente, o qual deve ser reciclado internamente pela gramínea, de modo a atender satisfatoriamente sua demanda. Após a queima da biomassa, as pastagens, geralmente, apresentam excelente produtividade, devido ao aumento da fertilidade do solo, pela incorporação de nutrientes contidos nas cinzas. No entanto, no decorrer dos anos observa-se um declínio gradual em sua produtividade e incremento gradual de plantas invasoras (Toledo & Serrão, 1982). A qualidade e a quantidade das cinzas estão diretamente relacionada com a disponibilidade e composição química do material a ser incinerado. No Amazonas, Smyth & Bastos (1984), em área de floresta primária, estimaram em 80; 82; 22; 19 e 6 kg/ha, as quantidades de N, Ca, Mg, K e P, respectivamente, contidas nas cinzas da biomassa incinerada. Em Manaus, Teixeira & Bastos (1989a) registraram nas cinzas de uma floresta primária, teores de 7,81% de Ca; 2,31% de Mg; 2,51% de K e 0,51% de P, correspondendo, respectivamente, 286; 85; 92 e 19 kg/ha. Numa capoeira com 17 anos, Seubert et al. (1977) constataram quantidades de 67 kg de N/ha; 75 kg de Ca/ha; 16 kg de Mg/ha; 38 kg de K/ha e 6 kg de P/ha. Aparentemente, as quantidades de nutrientes incorporadas ao solo, através das cinzas, seriam suficientes para assegurar padrões aceitáveis de produtividade das pastagens, por longos períodos, desde que sejam adotadas práticas de manejo adequadas e que sejam maximizados os processos de reciclagem de nutrientes. Para pastagens com uma produção média de 10 t/ha de MS, são subtraídos do solo cerca de 150 kg de N, 15 kg de P (34 kg de P205), 80 kg de K (96 kg de K2O) e 15 kg de Ca (21 kg de CaO); contudo, apenas uma pequena parte é exportada nos animais, outra parte vai diretamente para o solo via resíduos vegetais das plantas forrageiras e a maior parte volta para o solo através das fezes e urina dos animais. Teixeira (1987) avaliando a ciclagem de nutrientes em uma pastagem de B. humidicola, observou que as quantidades de P, K, Ca e Mg exportadas por bovinos em pastejo, supridos com sal mineral no cocho, foram muito pequenas, representando 31,5% de P; 0,86% de K; 20,7% de Ca e 1,46% de Mg, da somatória dos nutrientes consumidos na gramínea e no sal mineral. Dos 80,1 kg/ha/ano de nutrientes consumidos pelos animais, 74,39 kg/ha/ano retornaram ao solo e apenas 5,71 kg/ha/ano foram exportados pelos bovinos, para um ganho de 256 kg e peso vivo/ha/ano. Segundo Spain & Salinas (1985), a extração de N é de cerca de 9,7 kg/ha/ano para uma produtividade de 400 kg de peso vivo/ha/ano.

A dinâmica de nutrientes disponíveis em três diferentes solos com pastagens durante treze anos foi avaliada por Falesi (1976). O aumento da fertilidade propiciado pela queima da vegetação reduz-se no decorrer dos anos de utilização das pastagens. Os três tipos de solos apresentaram comportamento similar. A disponibilidade de Ca + Mg reduziu-se apenas nos 2 a 4 anos após a formação, permanecendo depois em níveis estáveis com disponibilidade acima do nível crítico para a produção de pastagens. Para o K, também observou-se uma redução nos primeiros 4 anos, com posterior estabilização com níveis em torno do nível crítico. O aumento de pH e a redução da saturação de Al, foram mantidos durante todo o período analisado. A disponibilidade de P, depois da queima, reduziu-se indefinidamente com os anos de utilização, estabilizando-se em 1 mg/kg, nível igual ou inferior ao encontrado nos solos da floresta, o qual está bem abaixo do nível crítico para a satisfatória produção de forragem para a maioria das gramíneas cultivadas na região (Falesi, 1976; Serrão et al., 1979; Toledo & Serrão, 1984). Teixeira & Bastos (1989b) estudaram a dinâmica de nutrientes no solo de floresta e pastagem, encontraram que a maior parte do P colocado na forma assimilável após a queima, passa rapidamente para a forma não disponível às plantas e citam como provável causa a adsorsão deste nutriente pelos polímeros de ferro e alumínio. Os demais nutrientes também apresentaram características similares aos encontrados por Falesi (1976). Estes solos parecem não ter condições necessárias para reter, na forma disponível, quantidades de P maiores que o encontrado em seu estado natural.

2. Efeito do fogo na produção de forragem

A resposta das gramíneas à prática da queima está diretamente relacionada com a época de sua realização, intensidade e freqüência, como conseqüência da interação do fogo e dos fatores climáticos (umidade e temperatura) sobre a germinação e/ou rebrotação das plantas. Para Klink & Solbrig (1996) os efeitos da queima sobre a disponibilidade de forragem são qualitativamente semelhantes onde quer que ocorram, sendo que a resposta das plantas varia significativamente, tanto entre comunidades, como dentro de uma mesma comunidade. Tomazini Neto et al., (1995) avaliaram a dinâmica de afilhamento e produção de folhas em gramíneas nativas dos cerrados submetidos à queima, e observaram que a taxa de afilhos vivos de Axonopus barbigerus eEchynolaena inflexa não foram influenciadas pela queima, mantendo-se constante durante os períodos de seca e de chuva. Em pastagens de H. rufa consorciada com Pueraria phaseoloides, Corêa & Aronovich, (1979) verificaram que o rendimento de forragem da gramínea, quando submetida à roçagem (26,3 t/ha) não diferiu do controle (28,3 t/ha), enquanto que na área queimada observou-se redução significativa na sua produção (22,4 t/ha). A leguminosa mostrou-se muito sensível a utilização do fogo (6,8 t/ha) ou da roçagem (12,3 t/ha), comparativamente a área não queimada (23,6 t/ha). Hamilton & Scifres (1982), avaliando o efeito da fogo controlado em pastagens de Cenchrus ciliares, constataram acentuado decréscimo na produtividade da gramínea (360 kg/ha versus 1.230 kg/ha, respectivamente para as áreas queimadas e não queimadas). Mochiutti et al. (1997) avaliaram o efeito da freqüência e época de queima sobre a disponibilidade de biomassa no estrato herbáceo e composição botânica de uma pastagem nativa de cerrado do Amapá. A queima em setembro e as freqüências bienal e trienal apresentaram maior disponibilidade de MS, devido maior período de acumulação de biomassa. As espécies T. plumosus e A. pulcher apresentaram interação positiva com o fogo, obtendo os maiores rendimentos com maior freqüência de queima (anual e bienal); ao contrário, Elyonurus sp., P. carinatum e Rhynchospora spp. tiveram os melhores rendimentos com menor freqüência de queima (bienal e trienal). Contudo, quando as pastagens foram roçadas, T. plumosus e A. pulcher apresentaram menores rendimentos de MS, ocorrendo o inverso com Elyonurus sp. P. carinatum e Rhynchospora spp., enquanto que a disponibilidade de forragem de Mesosetum spp. não foi afetada pela utilização da queima ou roçagem (Mochiutti et al., 1999). Em geral, as pastagens manejadas com o fogo apresentam acréscimos rápidos e acentuados em sua disponibilidade de forragem, contudo são efêmeros, pois, normalmente, a partir de quatro a cinco meses, tornam-se semelhantes aos registrados por pastagens não queimadas (Hamilton & Scifres, 1982; Souza Filho et al., 1986; Fontaneli & Jacques, 1988). Em pastagens nativas do pantanal, Cardoso et al. (2000) verificaram que a queima reduzia a freqüência das gramíneas e aumentava o número de espécies de dicotiledôneas e ciperáceas. A queima condicionou menor produção de biomassa aérea total, sendo a biomassa morta a mais afetada, uma vez que mesmo 11 meses após a queima a produção foi muito baixa, representando apenas 25% da obtida na área sem queima. Ademais, o solo permaneceu excessivamente exposto após a queima e somente depois de quatro meses assemelhou-se às condições da área sem queima. Jacques (2003), em uma ampla revisão sobre os efeitos do fogo em pastagens nativas, concluiu que, no longo prazo, a queima reduz paulatinamente a produtividade de forragem verde, da palhada sobre o solo e da quantidade volumétrica de água, mantendo uma superfície considerável de solo descoberto, fatores que atuam de forma cumulativa e negativa para assegurar mecanismos satisfatórios de rebrota e, consequentemente da persistência das gramíneas.

3. Efeito do fogo na qualidade da forragem

A disponibilidade de forragem, por si só, não explica o consumo e, conseqüentemente, a produção animal. A composição química de uma gramínea fornece alguns indicadores do potencial nutritivo de sua forragem, a qual deve fornecer energia, proteína, mineral e vitaminas, para atender as exigências dos animais em pastejo. A distribuição dos diversos componentes químicos nas plantas, varia nos diferentes tecidos e órgãos, em razão das especificidades da organização física das células vegetais. Em geral, os principais constituintes químicos das plantas forrageiras podem ser divididos em duas grandes categorias: os que compõem a estrutura da parede celular, que são de mais baixa disponibilidade no processo de digestão, e os contidos no conteúdo celular, de maior disponibilidade. Os componentes do conteúdo celular envolvem substâncias solúveis ou levemente solúveis em água, tais como: amido, lipídios e algumas proteínas que são digeridas tanto pelas enzimas dos microrganismos, quanto por aquelas secretadas pelo aparelho digestivo dos animais. Os componentes da estrutura da parede celular incluem, em sua maior parte, carboidratos e outras substâncias como a lignina, cuja digestão é totalmente dependente da atividade enzimática dos microrganismos do trato gastrointestinal dos ruminantes (Van Soest, 1994). O conhecimento da variação da composição química das plantas forrageiras, em seus diversos estádios fenológicos, é um dos fatores a ser considerado para a utilização de práticas de manejo adequadas. Em geral, à medida que as gramíneas tropicais envelhecem, há uma redução nos teores de PB e minerais e elevação nos teores de MS, celulose e lignina, resultando em decréscimo na digestibilidade e aceitabilidade da gramínea, enquanto que nas leguminosas, estas variações ocorrem lentamente, o que proporciona a oferta de forragem de alta qualidade. Allen et al., (1976) verificaram que a queima de pastagens nativas, com predominância de Andropogon gerardi e Andropogon scoparius, incrementou os teores de proteína bruta (PB) e reduziu a percentagem de constituintes da parede celular na forragem, evidenciando um efeito positivo do fogo na melhoria da qualidade da forragem. Sacido & Cauhépé (1998) observaram que a maior disponibilidade de Ca, Mg, P e K para as plantas após a queima pode aumentar temporariamente o teor destes nutrientes nos tecidos verdes, os quais, no entanto, tendem a retornar aos níveis originais após breve período. Isto parece ocorrer porque as plantas sob queima aceleram seu ciclo de desenvolvimento, e atingem o estádio reprodutivo precocemente, reduzindo sua qualidade (McAtee et al., 1979). Em pastagens nativas do Rio Grande do Sul, Fontaneli & Jacques (1988), observaram uma tendência de maiores valores para a digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) com a utilização da queima (39,3%) em relação à testemunha (31,7%). Crispim et al. (2003) avaliando o efeito da queima em uma pastagem nativa do pantanal, não detectaram diferenças significativas para os teores de PB, fibra em detergente ácido, fibra em detergente neutro e lignina, comparativamente à área não queimada. Os efeitos positivos da queima, notadamente sobre os teores de PB e DIVMS são temporários, pois há uma forte tendência de retorno aos seus níveis originais decorridos dois a quatro meses após a queima (Heringer & Jacques, 2002; Jacques, 2003). Evangelista et al. (1999) verificaram maiores teores de PB e degradabilidade da MS apenas nos estádios iniciais de crescimento da pastagem nativa após a queima. Brâncio et al. (1997) constataram que a queima no início da estação seca proporcionou menor efeito sobre os teores de PB e DIVMS em relação à queima no meio ou final da período seco, sendo que a melhoria observada a partir de dezembro, nas áreas sem queima e com queima no início da seca foi conseqüência das melhores condições ambientais para o crescimento das gramíneas (chuva e temperatura). Em pastagens nativas dos cerrados, que apresentavam teores médios de 3% de PB no final do período seco, Andrade&Leite (1988) registraram teores de 10%, 41 dias após a queima, os quais se mantiveram em torno de 7% decorridos quatro meses, quando então decresceram rapidamente, assemelhando-se aos da pastagem não queimada.

4. Conclusões

O fogo é uma prática de manejo de pastagens, nativas ou cultivadas, amplamente utilizado na região dos Cerrados e da Amazônia Legal visando a renovação ou recuperação da pastagem, a eliminação de plantas invasoras e adição de nutrientes ao solo, oriundos do material vegetal queimado. No primeiro momento, a pastagem rebrotada surge com mais força e melhor aparência do que a inicialmente existente. Contudo, com o decorrer do tempo, essa prática provoca a degradação físico-química e biológica do solo, além de prejuízos ao meio ambiente. O uso freqüente e intenso do fogo implica na redução da capacidade de suporte das pastagens, como conseqüência da desnutrição vegetal e das más condições do solo, notadamente a compactação e lixiviação de nutrientes. Em geral, as plantas apresentam sistema radicular pouco desenvolvido e com baixas reservas de carboidratos, baixo afilhamento e ineficiente fixação de CO2, o que contribuem para uma inadequada reciclagem de nutrientes, a qual é essencial para a manutenção da estabilidade do sistema solo-planta. Os efeitos positivos do queima, notadamente sobre a produtividade e composição química da forragem são imediatos, porém temporários, pois há uma forte tendência de retorno aos seus níveis originais decorridos dois a quatro meses após a queima. Neste contexto, a utilização do fogo, como prática rotineira do manejo de pastagens, deve ser precedida de uma análise sobre a sua eficácia, eficiência e sustentabilidade, em termos de melhoria das características físico-químicas do solo, da produção animal e da produtividade, qualidade e persistência da pastagem.

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Newton de Lucena Costa (Embrapa Roraima), Valdinei Tadeu Paulino (Instituto de Zootecnia)

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