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Ferrugem-asiática da soja: siga as recomendações


Decio Luiz Gazzoni

A ferrugem da soja, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, é considerado a maior ameaça fitossanitária já enfrentada pela cultura da soja no Brasil, bem como em países vizinhos, como o Paraguai e a Bolívia. Trata-se de uma doença com alto potencial de danos, e consequente redução de produção, se as condições para infecção e propagação do fungo forem adequadas. No limite, pode haver até perda total da produção de soja.

O controle da ferrugem-asiática não é fácil ou simples. Depende de medidas legislativas, destinadas a interromper o ciclo do fungo, que ocorre prioritariamente na cultura da soja. As medidas legislativas se compõem do vazio sanitário – um período durante o qual não pode haver cultivo da soja ou ocorrência de plantas “voluntárias” de soja, nos locais de cultivo ou fora deles – e o calendário de semeadura, que determina a data limite em que a soja pode ser semeada, nas diferentes regiões do país. A interrupção do ciclo de reprodução do fungo é muito importante para diminuir o inóculo, que vai infectar as lavouras quando se iniciar a próxima safra da soja, na primavera. Também significa menor pressão sobre as duas outras formas de controle – resistência genética de cultivares e uso de fungicidas químicos -, evitando o desenvolvimento de resistência do fungo tanto às cultivares resistentes, quanto aos fungicidas.

Embora existam cultivares mais tolerantes ao fungo causador da ferrugem, a resistência não é completa, não significa imunidade e, dependendo da pressão de inóculo no campo, podem surgir indivíduos do fungo que “quebram” a resistência destas cultivares. O controle químico sofre de restrição similar, também devido ao desenvolvimento de indivíduos resistentes aos fungicidas utilizados para o controle da ferrugem. A menor eficiência de fungicidas vem sendo observada há muitos anos. Ela redunda no aumento da frequência de seu uso, o que pode acelerar ainda mais o surgimento de indivíduos do fungo que sejam resistentes, bem como aumentar o custo de produção do agricultor, e diminuir o espectro de opções de que ele pode dispor.

Assim, verifica-se que tanto o sucesso da resistência genética quanto do controle químico depende, fundamentalmente, de baixo inóculo no campo. E, para manter níveis baixos de inóculos, a estrita observância das medidas legislativas é essencial. Nas últimas safras, e nas regiões onde a ferrugem-asiática vinha se mostrando mais perniciosa às lavouras de soja, como as áreas plantadas no Norte e Oeste do Paraná, e nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, consolidou-se o sistema de cultivo em duas safras. Nesse sistema, cultivares de soja precoces são semeadas no início da primavera, com colheita no início do verão, período em que a pressão de inóculo no campo é menor, o que é uma forma de escape do período mais intenso de ataque do fungo. Destarte, além do menor risco de danos à soja, e redução da produtividade, também se reduz a pressão de inóculo nessas lavouras, diminuindo a probabilidade de desenvolvimento de indivíduos resistentes.

Para conferir magnitude aos custos crescentes impostos aos agricultores para controle da ferrugem-asiática, levantamentos da BIP (Business Inteligence Panel Soja) mostrou que, na safra 2020/21 os sojicultores gastaram R$2,1 bilhões em fungicidas protetores foliares (multissitios), valor 23% acima da safra anterior (R$1,75 bilhão). E a safra 2019/20 já havia apresentado aumento de 46% nos gastos dos produtores de soja, para aquisição desta classe de fungicidas. No total, o gasto com fungicidas em soja, na safra 2020/21 foi de R$12,7 bilhões, de acordo com levantamento de consultoria Spark, especializada no tema. A maior parte destinada ao controle da ferrugem da soja.

Nos últimos anos temos apelado, de forma incisiva e insistente, para que os agricultores cumpram rigorosamente as recomendações que envolvem as medidas legislativas, o uso de cultivares tolerantes à ferrugem e a correta seleção e posicionamento de fungicidas, observando os produtos recomendados e as épocas de aplicação.

A imensa maioria dos agricultores brasileiros atende às recomendações técnicas, o que tem mantido os danos da ferrugem dentro de limites suportáveis. Entrementes, informações provenientes de países vizinhos indicam inobservância de um dogma agronômico, que impõe a necessidade de alternância de culturas em sucessão, cultivando soja na primavera e, posteriormente, novamente soja na segunda safra. Quem assim procede não coloca em risco apenas a sua lavoura, mas a de seus vizinhos e, em função da facilidade de dispersão de esporos do fungo pelas correntes de vento, mesmo as lavouras mais distantes. Para chamar a atenção para o temos, denominamos esta conduta de “heresia agronômica”, uma violação dos princípios básicos da Agronomia, já que se trata de um conhecimento milenar que o cultivo sucessivo da mesma cultura, no mesmo local, redunda em maiores riscos fitossanitários e em desequilíbrios estruturais no perfil do solo.

Importante ressaltar que problemas que impactam negativamente a competitividade e a sustentabilidade da cultura da soja, também afetam outras culturas que estão incluídas em sistemas produtivos dos quais a soja é componente, como o milho, o algodão, o feijão e mesmo a atividade pecuária. Além da demanda associada, pois soja e milho são componentes essenciais de rações, um desequilíbrio na oferta de soja pode afetar o custo de produção de rações, atingindo negativamente cadeias pecuárias que delas dependem, mormente suínos e aves. Outras culturas exploradas pelo mesmo agricultor também podem ser afetadas, pelo aumento da proporcionalidade de absorção de custos fixos pelas demais culturas.

A veemência com que temos alertado para a necessidade de observância das três formas de controle da ferrugem, utilizadas sempre conjuntamente, se deve à importância que a cultura da soja tem para o Brasil e, como não, também para o Paraguai e a Bolívia. Trata-se do principal produto do agronegócio destes países e, no caso do Brasil e Paraguai, o principal produto de exportação. Ninguém pode, conscientemente, furtar-se de colaborar para minimizar os riscos de perda de produtividade – ou amento de custos de produção – de uma cultura que tem ajudado a manter a renda e o emprego de milhões de cidadãos desses países, atitude que entendemos pode ser considerada “um crime de lesa-pátria”, pelos prejuízos que poderia causar aos países e a todos os cidadãos, inclusive e principalmente aos produtores.

Fica, então, o nosso apelo para que os agricultores continuem observando, rigorosamente, as recomendações técnicas para o controle da ferrugem-asiática da soja, para o seu próprio benefício e dos demais cidadãos dos nossos países.

 

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.

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