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Os bordados da vovó Cândida


Prof. João Mariano

(Resgatando as oficinas de artes e ofícios como fontes de geração de renda familiar)

Aos 8 anos, eu era um pequeno observador que não entendia como minha avó Cândida mantinha a conversa em andamento e ao mesmo tempo seus dedos hábeis criavam lindos bordados....Já tinha passado dos 45 anos, os 5 filhos adultos e 4 netos, eu um deles,  e sua casa vivia cheia, não só dos filhos e netos, mas também das visitas, das comadres e vizinhas, que não perdiam uma boa prosa com ela, além do cafezinho caseiro, sempre quente na chapa do fogão de lenha que ainda mantinha na lavanderia da casa, onde a vida social era mais intensa que nas salas.

Eu também fui crescendo,  passei pelas brincadeiras de criança mas fui um adolescente tranqüilo que não deu trabalho para a família e continuei observando minha avó, naquela rotina de bordar, que ela parecia gostar tanto e as visitas no mesmo ritual....o tempo passando...

Eu finalmente passei dos 40 anos e agora, meus filhos, os netos da Vovó Cândida, substituíam as antigas crianças, agora senhores e senhoras respeitáveis, mas minha avó aos  67 anos, continuava se especializando, aprendendo novos pontos, usando novas linhas.... Eu admirava sua curiosidade as artes dos bordados.  E as visitas ficavam maravilhadas, as encomendas continuavam a surgir e os bordados da Vovó Cândida enfeitavam salas de filhos, filhas, netos, parentes diversos e amigos em diferentes estados.

Alí na mesma cidade, vivia o sr.Antenor, um hábil consertador de guarda-chuvas, para quem não tinha tempo ruim nem final de semana. Era precisar e ele se prontificava a fazer o seu serviço, rápido, com atenção, sempre cortês e muito educado. Seus clientes já eram amigos da casa e nos terços e novenas que fazia no quintal da sua moradia,  ele lotava de gente,  apoiando a devoção da família.

No outro bairro, o sr.Destro, um artesão talentoso na madeira, criava obras de arte a partir de sobras de fábricas, que também já tinham extrapolado os limites da cidade, algumas até indo para outros estados, com visitantes que ao chegar na cidade, souberam do artista e visitaram o seu "atelier", uma parte de quarto do fundo, que a esposa cedeu para seus dons artísticos.

Também alí morava Dona Lila, uma pintora de pratos fantástica, que pegava um prato branco e inseria alí  uma paisagem que ninguém cansava de olhar de tão bonita....seus pratos também já tinham estória e enfeitavam cristaleiras  em diferentes estados.  Tinha filhas e amigas que apenas mostravam para suas visitas, mas não usavam com medo de quebrar.

Dona Carlota, mãos de ouro pintando tecidos, morava em outro bairro e já um pouco idosa, não passeava muito, mas também não precisava,  porque sua família era numerosa e a casa vivia cheia, de filhos, netos, parentes diversos, que adoravam seus doces e admiravam sua arte de pintar tecidos, que aprendera com uma velha amiga que já tinha partido, mas cuja técnica preservava e fazia questão de ensinar. Pena que apenas uma das netas teve interesse, mas a menina estava entrando na arte com vontade, dando força para sua avó.

Também a Dona Cida, fazendo obras de arte em pátina era muito requisitada nos trabalhos de recuperação de pequenos móveis antigos e fazia os trabalhos com tanto gosto e arte, que as encomendas eram retiradas com olhos admirados e também faziam sucesso para onde eram encaminhadas.  Uma loja de móveis antigos tentou comprar o seu passe, mas ela tinha seu ritmo próprio, não queria aumentar serviço e perder qualidade de vida. Eu vou tocando devagar e sempre, não quero ficar apurada, assim dizia ao enjeitar os serviços da loja.

Os salgadinhos mágicos da Cláudia e Dona Vera, mãe e filha, eram disputados nas festas infantis, não só pelas crianças, mas também pelos adultos, pelo sabor diferenciado e pelo resgate de sabores que povoavam sua infância, sem se perder nos experimentos duvidosos ou modismos. Seu mini quibe era divino. A coxinha de mandioca dava água na boca.  A esfiha de palmito amargo era disputadíssima.  E assim os demais salgados, todos com certo toque mágico.

Dona Maria e suas bolachas maravilhosas e doces, já tinha criado fama além do bairro e da própria cidade e caminhava para se tornar uma pequena fábrica, de tão cotados que eram seus confeitos.  Suas filhas davam o apoio e uma delas,formada em nutrição,  pesquisava sempre novos sabores e agora usava frutas natalinas, sabores das especiarias, no acabamento das bolachas, criando uma leve sofisticação, que encantava suas clientes.

Tinha também o Sr.Mariano, que fazia brinquedos em madeira, um pedaço de  madeira, dois carretéis, eís um veículo para o neto se divertir. Ainda adolescente, fazia caixas de engraxates com dois pés, para os clientes terem mais conforto e vendia para seus colegas de profissão. Adulto, tinha muitas encomendas, de prateleiras e cabides de madeira, para pendurar roupas na parede.  Seus cabides de madeiras eram bonitos e resistentes, com madeira de primeira.  Gostava de entalhar, sem motivos pré-definidos, gerando desenhos geométricos ou composições que encantavam os visitantes do seu pequeno espaço, um quarto dos fundos da sua casa,  onde relaxava da labuta mental, lidando com madeira, para descansar da outra arte, escrever,  já que também era escritor.

E outros como Sr.Toninho, consertador de panelas e amolador de facas....sr.Carlão melhor mecânico do bairro....sr.Barbosa, o rei dos consertos.....Sr.Quirino, o mais antigo sapateiro do bairro....o Português, que cortava as copas das árvores no bairro inteiro, além de ser o quebra-galho mais requisitado nos consertos caseiros.

São todos parte de um processo de memória, que resgata antigas artesãs e ofícios hoje quase extintos, mas que sustentavam famílias. A idéia de um Projeto de Geração de Renda Familiar nos Bairros, passa pelos seguintes questionamentos :

Quem irá substituí-los ?  Que valor teria para a comunidade na geração de renda familiar, o resgate dessas artes e ofícios ? Quanto custaria isso para os municípios ?  Que renda poderia ser gerada nos bairros com o resgate desses ofícios e artes ?  Quantas famílias poderiam melhorar sua renda ?  Sua condição de vida ?   Que projetos sociais municipais poderiam encampar essas artes e ofícios ?  Poderia ser criado um selo pelas prefeituras para dar valor ao resgate ?  Os comerciantes e industriais dos bairros poderiam contribuir na montagem dos núcleos de artes de ofícios ?  A renda gerada nos bairros, certamente teria sua maior parcela gasta nos próprios bairros, em mais de 80% ?  Depois os donos de negócios, iriam gastar na cidade e haveria circulação de renda ?

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