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Venda casada ou “goela abaixo”


Pedro Loyola
As práticas abusivas na liberação de Crédito Rural

No meio rural são comuns os casos de agricultores que financiam a produção com linhas de custeio ou investimento e se veem envolvidos em uma situação pouco confortável. A "venda casada" de produtos e serviços oferecidos nas instituições financeiras costuma ocorrer durante a negociação da liberação e assinatura do contrato de financiamento, como forma de induzir o cliente à aquisição de títulos de capitalização, cartões de crédito, consórcios, dentre outros.


Não é incomum a retenção de parte do financiamento para aplicação em poupança, fundos de investimentos e até em previdência privada. O "cardápio" pode variar de acordo com as metas a serem cumpridas pelos gerentes dos agentes financeiros.

Os elevados custos de produção, a necessidade de inovação tecnológica, os riscos inerentes da atividade como a volatilidade dos preços e a quebra de safras, a diferença no tempo entre receitas e despesas são algumas das características que tornam a atividade agropecuária altamente dependente do crédito rural. Dessa forma, taxas de juros, prazos e limites de crédito em condições coerentes com cada atividade são importantes fatores que afetam o acesso ao crédito.

A redução da taxa de juros para 5,50% ao ano em operações de custeios e investimentos na safra em curso é anulada pelas exigências das vendas casadas. Conforme relatado por produtores rurais no Paraná, há excessos que extrapolam o relacionamento de reciprocidade entre agente financeiro e cliente. Comumente são cobrados ilegalmente e de forma abusiva os seguintes serviços, mediante a ameaça real de atraso ou não liberação do crédito:

1) Aplicação em títulos de capitalização de 10% do valor da operação de crédito;

2) Contratação de consórcio de veículo para operações de custeio e investimento acima de R$ 300 mil;

3) Aplicação em fundos de investimento de pelo menos 10% da operação de custeio;

4) Repasse de custos de convênios entre agentes financeiros e fornecedores para o preço dos produtos. Os valores de taxa flat (espécie de taxa administrativa) cobrados pelo agente financeiro dos fornecedores de insumos e de máquinas são repassados ao preço dos produtos pelos fornecedores. Por exemplo, para financiamento de máquinas agrícolas, o “flat” chega até 2,5% e para insumos, 0,75%. Esse expediente não envolve movimentação na conta do produtor, mas onera o preço do bem e do insumo, tanto que compras à vista de máquinas têm preço inferior ao preço do produto financiado.

Todas essas práticas são ilegais. No entanto, o baixo registro de reclamações nos órgãos oficiais como o Procon e o Banco Central do Brasil se deve porque os consumidores, nesse caso os produtores rurais, temem retaliações dos agentes financeiros diante da necessidade do financiamento. Geralmente esse produtor já é cliente tradicional, têm diversas operações e dívidas nesse agente financeiro, o que dificulta a denúncia ou mesmo que troque de instituição financeira.


Essa prática utilizada pelos agentes financeiros no Paraná, conhecida como “venda casada”, é expressamente proibida na Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990, artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, conforme segue:

“CDC - Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990

SEÇÃO IV

Das Práticas Abusivas

        Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

        I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

...

        V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;”


Vale lembrar que as operações de crédito rural subordinam-se à regulamentação e legislação em vigor e às normas estabelecidas pelo Banco             Central do Brasil (BACEN) através do Manual do Crédito Rural – MCR, o qual define que o crédito de custeio destina-se a cobrir despesas normais dos ciclos produtivos.

Logo, se os produtores são obrigados a utilizar parte do financiamento ou dos recursos próprios para comprar títulos de capitalização e outros produtos e serviços como aplicações financeiras, a subtração desses valores se configura em desvio da finalidade e condiciona o produtor a utilizar menos tecnologia na safra ou a buscar novos recursos para complementar aquilo que a instituição financeira o obrigou a adquirir em troca do acesso ao crédito.

Dessa forma, essa “venda casada” imposta aos produtores rurais prejudica também o uso correto de recursos e tempestivamente executado no empreendimento, pois a liberação do crédito rural deve ser diretamente ao mutuário de uma só vez ou em parcelas de acordo com as necessidades da atividade, devendo as utilizações obedecer a cronograma de aquisições e serviços.


Vale ressaltar que o capítulo de “Disposições Preliminares” do Manual do Crédito Rural – M-C-R 1-2-23, estabelece que “a exigência de qualquer forma de reciprocidade bancária na concessão de crédito rural sujeita a instituição financeira e os seus administradores às sanções previstas na legislação e regulamentação em vigor”.

No mesmo sentido, o MCR 1-1-3 estabelece que “não constitui função do crédito rural: ... f) amparar atividades sem caráter produtivo ou aplicações desnecessárias ou de mero lazer”.

Os agentes financeiros deveriam vender serviços ou produtos para suprir as reais necessidades dos clientes. No entanto, adotam o caminho mais fácil de empurrar produtos “goela abaixo” para atender as metas internas da empresa. Há exceções e bons exemplos de relacionamento comercial que deveriam ser seguidos. Nesses casos o produtor concentra seus negócios na instituição que financia as suas atividades, porque o atendimento, competência e profissionalismo do gerente ganha a preferência do cliente.

Isso sim se chama reciprocidade.
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