Elaboração de sistemas de produção de mandioca para o Extremo Sul da Bahia
Elaboração de sistemas de produção de mandioca para o Extremo Sul da Bahia
A elaboração de sistemas de produção para cultivos no modelo clássico abrange tópicos como importância econômica, práticas culturais, colheita, custos e rentabilidade, entre outros. Os sistemas de produção tem como público-alvo técnicos, extensionistas, produtores e outros agentes da cadeia produtiva. Embora esses documentos devam ser preparados por uma equipe interdisciplinar e submetido a um painel formado por profissionais de campo e agricultores envolvidos com o tema, nem sempre contam com a efetiva participação dos agricultores, nas etapas de levantamentos das informações e validação final.
A elaboração do sistema de produção de mandioca para a região Extremo Sul da Bahia, realizada recentemente, além de tomar como base o modelo clássico, partiu da demanda dos produtores da região, com a interação entre pesquisadores, extensionistas e produtores, os quais objetivaram reunir informações necessárias ao desenvolvimento da mandiocultura regional.
Devido ao interesse despertado pelos produtores, com os mais variados níveis de capitalização, habilidade gerencial, capacidade de organização e disponibilidade de terra, foi proposto um sistema de produção baseado em dois níveis tecnológicos, passíveis de adaptação à maioria das situações encontradas na região. O nível tecnológico I compreende produtores com menor área de plantio (3-5 ha), mão-de-obra familiar, menor nível de capitalização, com pouco uso de tecnologias modernas e insumos. O nível tecnológico II atenderá produtores com maior nível de capitalização. Estes produtores têm a capacidade de poder aplicar maior quantidade de insumo na lavoura, principalmente adubo, realizar o preparo do solo usando máquinas e implementos agrícolas (tratores e grades), possuem maior área de plantio (acima de 5 ha), melhor nível de informação e, conseqüentemente, maior inserção no mercado.
Boa parte da mandioca produzida na região é originária da agricultura familiar, que além de utilizá-la para a subsistência, comercializa seus produtos e retira a renda necessária para a sua sobrevivência. O quadro agrário da agricultura familiar na região se caracteriza por propriedades com área média variando de 10-20 ha. O cultivo da mandioca está presente na totalidade dos estabelecimentos rurais, ocupando área de 3 ha, onde são constatadas produtividades entre 12-15 toneladas de raízes por hectare. Essas famílias, além da mandioca, possuem gado (de corte ou leiteiro) e cultivam em determinadas épocas do ano a mandioca consorciada com milho e feijão. Observa-se ainda outros consórcios, em menor freqüência, com amendoim e quiabo.
Essa região, por não possuir as estações do ano bem definidas, pois as chuvas são bem distribuídas ao longo do ano, inviabiliza o cultivo de grãos de maneira sistemática e comercial. Dessa forma as lavouras de milho e feijão são estabelecidas visando principalmente o consumo próprio e a venda do excedente. Encarado desta forma, o cultivo destas duas culturas são realizadas nas entrelinhas dos plantios de mandioca, em duas épocas do ano (abril e setembro) usando-se como insumos apenas a adubação de cova. Para ambas as culturas, preferencialmente, o plantio ocorre no mês de abril, início das chuvas. Nessas condições o milho pode ser colhido verde e comercializado no período das festas juninas. Essas culturas são plantadas por boa parte dos agricultores familiares respeitando o ciclo lunar, onde a semeadura é realizada a partir do terceiro dia após a lua cheia até a lua nova, pois eles observam que há uma maior incidência de pragas quando o plantio é realizado fora deste ciclo.
Após a caracterização do sistema de produção em uso pelos agricultores, foram realizadas visitas técnicas a propriedades rurais objetivando o levantamento junto aos produtores dos principais problemas de cultivo de mandioca. O problema mais relevante observado e de pouco conhecimento dos produtores foi a presença de doenças fúngicas de parte aérea, como a antracnose e a ferrugem. A variedade mais cultivada, conhecida como Caravela, se mostra suscetível e, segundo os produtores, a ocorrência dessas doenças é mais intensa nos meses mais frios. Em função disto, uma das recomendações para se diminuir este problema e conviver melhor com a doença é evitar que plantas cheguem ainda jovens nos meses mais frios do inverno, sendo julho o que apresenta as menores temperaturas anuais na região. Os primeiros quatro meses são decisivos para a mandioca alcançar seu potencial produtivo, necessitando uma boa sanidade e, por outro lado, plantas mais maduras são mais resistentes ao ataque da doença, com menores prejuízos na produção. Além disso, embora não observado nos plantios visitados, devido principalmente a época pouco favorável, foram relatadas várias ocorrências de apodrecimento de raízes, provocada por fungos, principalmente do gênero Fusarium sp., que aparecem normalmente associados a solos ácidos e mais argilosos e/ou sujeitos a encharcamentos. Foram feitas recomendações para utilizar material de plantio sadio, estabelecer os plantios em áreas com drenagem adequada, rotação de culturas, uso de adubos orgânicos e evitar capinas que danifiquem as raízes.
Outro problema identificado foi o aparecimento de plantas amareladas, cuja ocorrência é maior em solos fracos e arenosos. As plantas, após a brotação, amarelam as folhas, definham e morrem. Devido a esses sintomas o distúrbio é chamado comumente pelos produtores de “amarelão”. Quando o problema aparece nas plantas maiores, embora a parte aérea se desenvolva, não há uma boa produção de raízes, que ficam raquíticas. Para o controle deste distúrbio recomendou-se a realização de calagens somente com base na análise de solo, devendo-se incluir no sistema de adubação o sulfato de manganês, pois a deficiência desse micronutriente tem sido relacionada ao sintoma do amarelão. Adicionalmente, recomendou-se o uso de insumos orgânicos, evitar a queima dos restos vegetais e realizar a rotação de cultura e pousio das áreas de cultivo.
Em relação às pragas foi observada a presença da mosca-do-broto, que ataca as brotações novas de plantas jovens, onde podem ser encontradas várias larvas esbranquiçadas. O controle recomendado é o monitoramento do plantio e, quando observada a presença da praga, cortar e queimar os brotos atacados e intercalar o cultivo da mandioca com culturas não hospedeiras. A ocorrência de ácaros foi relativamente baixa, devido principalmente à elevada incidência de chuvas na região, fato este que desfavorece a ocorrência dessa praga. Por outro lado, o mandarová, lagarta que tem sua ocorrência eventual, mas, quando ocorre, provoca grandes perdas, também foi mencionada. Foi indicado o monitoramento da praga e o uso do Baculovirus, um vírus que ataca as lagartas e que pode ser produzido pelos próprios produtores. Foi observada a ocorrência da broca, porém, apenas um produtor a relatou como problema.
O uso de formulações para adubação da mandioca é uma prática comum entre os agricultores na região, que normalmente não se baseiam na análise de solo para estabelecer o esquema de adubação. As formulações NPK 4-14-8, 10-10-10, 20-05-20 e 11-30-17 são as mais encontradas no comércio e também utilizadas para a mandiocultura, sendo que a maioria dos agricultores faz apenas adubação de cova com 4-14-8. Nenhuma dessas formulações atende às necessidades da planta de mandioca de forma equilibrada, tendo sido recomendado o uso apenas de fósforo na cova, de preferência o superfosfato simples, e nitrogênio e potássio, em cobertura, entre 45 e 60 dias após o plantio, sempre baseado na análise de solo.
As variedades mais cultivadas na região e introduzidas por trabalhos de pesquisa e transferência de tecnologia da Embrapa foram classificadas pelos produtores segundo a sua utilização. As utilizadas para farinha são a Caravela ou Milagrosa, Cigana Preta, Unha, Lisona e Pretinha, com ciclos de colheita de 12 a 18 meses. Como aipim (mandioca de mesa ou macaxeira), as variedades utilizadas são a Manteiguinha, Cacauzinho, Paraguai, Saracura e Eucalipto, com ciclos que variam de 8 a 12 meses. As variedades plantadas com dupla finalidade, são Cachoeirinha, Calombo e Cramuquém, com ciclos de 8 a 18 meses, o menor ciclo sendo o utilizado com a finalidade da raiz para o cozimento (mandioca de mesa, aipim ou macaxeira).
Embora o Extremo Sul da Bahia seja uma região pastoril, a cultura da mandioca tem contribuído muito pouco para a alimentação animal. É observada nas áreas dos agricultores familiares a criação principalmente de gado bovino mestiço, sendo parte para produção leiteira e parte para corte. As pastagens não são renovadas e normalmente estão com a capacidade de suporte acima do recomendado, de modo que o gado tem produtividades abaixo do esperado, faltando alimento em algumas épocas do ano. A parte aérea da mandioca é dada aos animais no dia posterior a colheita das raízes, tanto da mandioca brava como da mansa. Foi alertada a necessidade da moagem e secagem da parte aérea para eliminar ou reduzir a concentração do ácido cianídrico presente na mandioca que é tóxico aos animais. Também foram feitas recomendações para a produção de raspa de mandioca, que é o produto obtido de pedaços de raízes desidratadas até atingirem 13% a 15% de umidade (pode ser conservado de 6 a 12 meses) e farelo de folhas, obtido triturando-se o terço superior das plantas de mandioca com picador de forragem, sendo posteriormente secadas ao sol.
Adicionalmente, a integração pasto-lavoura (dois cultivos com mandioca e dois anos de pastagem) poderá ser implementada. Neste caso, para evitar o aumento do número de capinas, deve-se dar preferência a pastagens com baixa produção de sementes, a exemplo de Brachiaria brizantha, cultivar marandu.
Em trabalho realizado para estabelecer o custo de produção da mandioca na região em junho de 2006, observou-se que o sistema mandioca consorciada, mesmo apresentando uma relação B/C que indica superioridade da receita em apenas 6%, conseguiu agregar um valor à mão-de-obra equivalente a R$ 16,86 por dia-homem. Isso significa que, se o produtor resolver plantar mandioca, é possível receber a mais R$ 1,86 para cada dia de trabalho (custo de oportunidade da mão-de-obra R$ 15,00/d/H). Os sistemas aipim solteiro e aipim consorciado além de apresentarem relação B/C que possibilita, respectivamente, retornos equivalentes a 128% e 152%, quase que quintuplicam, no caso do aipim consorciado, o valor agregado pela mão-de-obra).
Para elaboração do sistema de produção contou-se com a participação de uma equipe interdisciplinar da Embrapa formada por especialistas em nutrição mineral e ciências do solo, fitotecnista, melhorista, entomologista, fitopatologista e economista agrícola, com a participação de técnicos e extensionistas da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) e da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), além de produtores da região. Espera-se que com a disponibilização do sistema de produção de mandioca, os produtores possam fazer um uso mais eficiente dos recursos disponíveis, de modo a aumentar a produção e contribuir para a uma maior sustentabilidade da cultura na região.