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Interação agricultura e ecossistema


Decio Luiz Gazzoni

Interação agricultura e ecossistema

Decio Luiz Gazzoni                                                                                                              

A motivação para escrever este artigo é a constatação de que os conceitos de serviços e desserviços ecossistêmicos, e de sua relevância para a agricultura, ainda são obscuros para a maioria da população. Sem os serviços, não teríamos agricultura tal e qual a conhecemos, e os desserviços podem ser evitados por atitudes, políticas públicas e tecnologias adequadas.

Os serviços ecossistêmicos mais conhecidos são polinização, controle biológico de pragas, manutenção da estrutura e fertilidade do solo, ciclagem de nutrientes e serviços hidrológicos. Há outros, como regulação da qualidade do solo e da água, sequestro de carbono, manutenção da biodiversidade e regulação climática. As avaliações econômicas indicam que, a cada ano, o valor dos serviços ecossistêmicos para a Humanidade atingem cifras de trilhões de dólares.

Os agroecossistemas são tanto provedores quanto consumidores de serviços ecossistêmicos. A agricultura se beneficia desses serviços porém, dependendo das práticas de manejo, também pode ser fonte de desserviços, incluindo perda do habitat da vida selvagem, lixiviação de nutrientes, sedimentação de cursos de água, emissões de gases de efeito estufa e contaminação por uso inadequado de agrotóxicos. Em todos os cenários, as práticas adequadas de manejo agrícola são essenciais para a obtenção dos benefícios dos serviços ecossistêmicos e a redução dos desserviços.

 

Tipos de serviços ecossistêmicos

Os serviços de provisão produzem bens tangíveis e são mais facilmente percebidos. Exemplos: o fornecimento de seiva (borracha), frutos, raízes ou mel; a extração de carvão ou lenha para energia; os recursos bioquímicos e genéticos; as plantas medicinais e ornamentais, presentes em formações nativas. Alguns autores enquadram a caça e a pesca nessa categoria. Em comunidades extrativistas, esses serviços são altamente valorizados, pois deles depende a sobrevivência da própria comunidade. Os serviços culturais podem incluir beleza cênica, paisagem, educação, recreação e turismo, entre outros.

Os agroecossistemas dependem dos serviços de regulação (controle do clima, purificação do ar, purificação e regulação dos ciclos das águas, controle de erosão e enchentes, controle biológico de pragas e doenças); e de suporte (formação e estrutura do solo, fertilidade do solo, ciclagem de nutrientes e armazenamento e fornecimento de água). Polinização e controle biológico podem ser prestados por organismos que se movem da vegetação nativa para os agroecossistemas.

 

Serviços e desserviços dos agroecossistemas

A agricultura ocupa quase 40% da superfície terrestre. Os ecossistemas agrícolas apresentam ampla variação na estrutura e função, envolvendo diversas culturas sob diferentes condições socioeconômicas, regimes climáticos e geografias.

Não apenas os ambientes naturais, porém agroecossistemas podem fornecer serviços regulatórios e culturais para comunidades humanas, além de prover serviços de apoio. Os serviços prestados pela agricultura podem incluir controle de enchentes, controle da qualidade da água, armazenamento de carbono e regulação do clima por meio da redução de emissões de gases do efeito estufa e regulação de pragas. Um ambiente agrícola adequado pode aumentar o fornecimento de serviços de polinização, que beneficiam outros cultivos ou vegetação nativa das proximidades.

As práticas de manejo, que podem fornecer serviços, também influenciam o potencial de desserviços da agricultura, incluindo a perda de habitat para conservação da biodiversidade, o escoamento ou lixiviação de nutrientes, a sedimentação de cursos d'água, e impacto negativo de agrotóxicos em espécies não visadas ou a contaminação de solo e cursos de água. É no desserviço que reside o perigo pois, como as práticas agrícolas podem prejudicar a biodiversidade, a agricultura é frequentemente considerada um anátema para a conservação. No entanto, a observância de boas práticas agrícolas pode mitigar ou eliminar muitos dos impactos negativos da agricultura, mantendo em grande parte os serviços de provisionamento. Aí reside a importância capital da Agronomia e dos engenheiros agrônomos.

Os agroecossistemas incluem monoculturas (pomares, pastagens cultivadas, cereais e outros grãos); ou sistemas diversificados como culturas mistas, sistemas intercalares (usuais em cultivos de dendê, café, cacau), sistemas agroflorestais e produção hortícola com espécies diversificadas. Essa plêiade de sistemas agrícolas resulta em um sortimento e quantidade altamente variáveis de serviços ecossistêmicos. Assim como os serviços de provisão e os produtos derivados desses agroecossistemas variam, os serviços de apoio, reguladores e culturais também diferem, resultando em grande variação no valor que esses serviços fornecem, dentro e fora do agroecossistema.

 

Equilíbrio e melhoria

Introduzir a agricultura em um determinado ambiente significa que haverá perdas e ganhos em relação aos serviços ecossistêmicos. O importante é evitar desequilíbrios, utilizando práticas amigáveis. Ao maximizar o valor dos serviços de fornecimento de produtos agrícolas, as atividades agrícolas provavelmente modificarão ou diminuirão os serviços fornecidos pelos ecossistemas terrestres, mas sistemas de produção adequados podem melhorar a capacidade dos agroecossistemas de fornecer uma ampla gama de serviços ecossistêmicos.

Em conclusão, a conversão de ecossistemas naturais não perturbados para a agricultura pode ter fortes impactos na capacidade do sistema de produzir importantes serviços ecossistêmicos, mas também pode ser fonte de serviços ou desserviços. O uso da terra agrícola pode ser considerado um estágio intermediário em um continuum de antropização entre a natureza selvagem e os ecossistemas urbanos. Assim como a conversão dos ecossistemas naturais para a agricultura pode reduzir o fluxo de certos serviços ecossistêmicos, a intensificação da agricultura ou a conversão de agroecossistemas em áreas urbanas podem degradar a provisão de serviços benéficos.

Para evitar prejuízos aos serviços ecossistêmicos – e até incrementá-los – e minimizar ou eliminar os desserviços, é importante dispor de sistemas de produção que levem em consideração estes objetivos, agricultores conscientes destes fatos, políticas públicas adequadas e um permanente desenvolvimento tecnológico para melhoria dos sistemas de produção, tornando-os mais amigáveis aos serviços ecossistêmicos.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.

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