O Jacaré-do-Pantanal, Caiman crocodilus yacare, é uma espécie que está amplamente distribuída na planície pantaneira. Apresenta grande potencial para utilização sustentada e vem sendo estudado sob diversos aspectos da sua biologia. As técnicas de monitoramento foram geradas para avaliar as tendências dos estoques populacionais e já existem informações disponíveis sobre: estrutura de tamanho, razão sexual e aspectos reprodutivos; comportamento de termorregulação; movimento e área de uso; espermatogênese e vitelogênese; dieta e nutrição; grau de parasitismo e composição química corporal dos indivíduos. Em cativeiro, foram desenvolvidos estudos sobre os diferentes aspectos da criação e feita uma proposta de monitoramento de coleta de ovos. No entanto, é necessário gerar os conhecimentos sobre a história de vida e dinâmica populacional do jacaré no seu ambiente natural, sob efeito das práticas do manejo.
A utilização sustentada da vida silvestre vem sendo reconhecida como uma importante ferramenta para promover a conservação dos ambientes naturais e da preservação da biodiversidade. Esse procedimento de desenvolvimento através do uso dos recursos tem sido direcionado aos países tropicais onde os ecossistemas naturais ainda não foram completamente modificados ou destruídos.
O manejo do Jacaré-do-Pantanal vem sendo feito tanto em sistemas fechados como em sistemas abertos de criação. Desde a década de 80, várias maneiras de utilização do jacaré têm sido tentadas. A criação em sistema fechado, denominada “Farming”, consiste na manutenção de adultos reprodutivos e na criação dos jovens até o abate. Poucos criadores optam por essa prática de manejo, pelo alto custo da manutenção das matrizes e dos jovens. A criação em sistema aberto, denominada “Ranching”, consiste na coleta de ovos ou jovens oriundos da natureza, na criação dos animais até o abate e conseqüente devolução ao ambiente natural de uma parcela dos jovens. Essa forma de utilização foi legalizada através da PORTARIA 126 de 1990, que regulamenta a criação, restringindo-a à área de distribuição da subespécie. O manejo extensivo ou desfrute de adultos da natureza é outra forma de utilização com fins de conservação da espécie e de seus habitats naturais. No entanto, a Lei 5.197 de 1967, proíbe qualquer uso da fauna em estado selvagem e, consequentemente, seu comércio. A Embrapa Pantanal vem, ao longo dessas duas últimas décadas, promovendo pesquisas sobre o conceito de “Conservação através do Uso” do Jacaré-do-Pantanal.
Em 1995, o governo brasileiro autorizou uma experiência de extração experimental de Jacaré-do-Pantanal para testar a viabilidade do programa de uso sustentável e aumentar o entendimento da dinâmica populacional de Caiman crocodilus yacare. No entanto, os efeitos de programas da extração não podem ser avaliados sem informações sobre o movimento local, que afeta o número e faixa etária dos jacarés sujeitos à extração e a dispersão que determina o recrutamento potencial de indivíduos de áreas com menores pressões de extração.
Estudos de 14 anos de movimento e uso de espaço de Caiman crocodilus yacare mostraram que os indivíduos não somente se movimentaram dentro de áreas de lago e rio, mas, também, entre as áreas. Vários animais, principalmente adultos machos, moveram-se de regiões de lago isoladas para áreas de rio, à distância de até 11 km, onde alguns foram mortos por caçadores. O movimento entre áreas de lago e rio foi registrado para jacarés machos pequenos e fêmeas grandes, a curto e longo prazo. Isso poderia indicar que os jacarés usam grandes áreas que incluem uma variedade de habitats no Pantanal.
No primeiro ano de vida, alguns indivíduos deslocaram por distâncias de até 5,7 km, na área de lagos, e de 1 km, na área de rios. Os filhotes permaneceram juntos com um adulto por até 11 meses na área de lagos. No período de 10 anos, quatro machos e uma fêmea de C. c. yacare, marcados no primeiro ano de vida, na área de lago, percorreram distâncias de até 18 km para a área de rio. As distâncias registradas para os jacarés machos chegaram a 18 km e para as fêmeas a 14 km, a longo prazo. Os movimentos sobre distâncias maiores do que essas teriam sido feitos pelos jacarés fora da área de estudo, logo, os dados, provavelmente, subestimam seu grau de extensão.
A área de 50.000 ha, envolvendo duas fazendas foi “aparentemente” pequena para análise da dispersão dos jacarés, que se moveram de áreas de lago para as de rio e, dentro da área de rio, deslocaram de um rio para outro. Isso ocorreu, provavelmente, porque a taxa de recaptura dos jacarés, na área de estudo, foi baixa. O movimento de indivíduos, a longo prazo, pode ser especialmente importante para o recrutamento de indivíduos à população em áreas caçadas. Também, o movimento sobre grandes distâncias entre habitats pode ser vantajoso em programas de uso sustentado, onde podem ser recrutadas as população de jacarés de áreas sem extração para áreas de extração, fazendo um uso racional destes recursos.
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Zilca Campos, ([email protected]), é pesquisadora da Embrapa Pantanal (Corumbá-MS), Dra. em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre.