No Brasil o modo de colonização e a formação econômica contribuíram de maneira marcante para a concentração de riqueza e de rendas nacionais. Particularizando para a agricultura, a concentração de terras em posse de poucas famílias e o surgimento de latifúndio são os primeiros passos para o processo que hoje chamamos de exclusão social.
O poder dos senhores de engenhos, dos fazendeiros e dos traficantes de escravos, no século passado, era incontestável. Uma astuciosa aliança entre eles, dificilmente ameaçada, conseguiu não somente manter escravidão como também impediu que muitos homens livres e imigrantes se tornassem proprietários das terras. A partir de meados da década de sessenta, com o enfoque que se convencionou a chamar mundialmente de “ modernização da agricultura” é que houve efetivamente a integração do setor agrícola ao processo de acumulação de capital. Este processo ocorreu com a efetiva participação do Estado, que por intermédio de uma política agrícola, viabilizou maiores propriedades, especialmente, aquelas localizadas em terras melhores.
Em decorrência da expansão da modernização agrícola, uma pequena parcela da pequena produção familiar conseguiu fazer parte deste processo, subordinando-se à agroindústria. Outra parte de pequenos produtores menos descapitalizados, relegados a terras menos férteis, utilizando práticas tradicionais para subsistir e produzir baixo excedente comercializados para os mercados urbanos, garantiam preços mais baixos para produtos alimentares da cesta básica da sociedade brasileira.
Neste final de década, a conseqüência atual do modelo de modernização da agricultura brasileira fica evidente. Aquela parte integrada ao complexo agro-industrial está consolidada, mesmo se encontrando em estado de crise cíclica. Como não poderia ser diferente, foi diminuída a participação do Estado na agricultura com redução significante de subsídios. A outra parte, a maior, hoje classificada de “agricultura familiar”, aquela que pode ser entendida como a que concentra a sua produção em produtos de baixo nível de processamento industrial, que constituiu o grosso da cesta básica da maior porção da população brasileira, encontra sérias dificuldades para continuar existindo dentro dos princípios da modernização da agricultura.
É estimado que hoje o Brasil dispõe de 360 milhões de hectares de terra em condições agricultáveis. Entretanto é sugerido que 45% dessas terras estejam nas mãos de 15 dos proprietários. Em decorrência desta concentração, cerca de 30 milhões de pessoas, nos últimos trinta anos migraram da zona rural para o centros urbanos, engrossando desta forma a fileira dos marginalizados. Por outro lado, a grande influência dos latifundiários, além de monopolizar o aparelho do Estado, trouxe quase todas as suas políticas para benefício próprio, gerando falsa ideologia sem precedente até hoje presente: a de que a agricultura em pequena propriedade ou agricultura familiar é economicamente inviável, incapaz de absorver a dinâmica da tecnologia e além de ser fonte permanente de impedimento ao desenvolvimento das sociedades.
Hoje entretanto, a agricultura praticada em pequenas propriedades brasileiras conta com novos e consistentes números. Em estudos recentes realizados pela FAQ (Organizações das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), indicam um total de 4,3 milhões de estabelecimentos rurais com perfil familiar e 1,4 milhões de natureza patronal. As pequenas propriedades ocupam aproximadamente 14 milhões de pessoas (56% do ativo total), São responsáveis por quase 30% do valor da produção agropecuária nacional, mas ocupam apenas 22% da área total e recebem apenas 16% dos valor dos financiamentos.
Estima-se também que 30% das pequenas propriedades já se encontram em uma posição de razoável nível tecnológico, com acesso a crédito e a outros serviços de apoio e também bem integrada ao mercado. Os 70% restantes oferecem indiscutível potencial de viabilidade econômica-social, desde que lhe sejam direcionadas políticas públicas diferenciadas em apoio as sues necessidades e recursos.
Atenta a importância das pequenas propriedades a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, criou um programa de pesquisa voltado a este segmento. O programa estabelecido pela Empresa incorpora á visão econômica uma visão social e outra ecológica, de modo que seja viável priorizar a produção de alimentos para o abastecimento dos grandes centros urbanos, reter o maior número possível de empregos no campo, preservar o meio ambiente, permitindo ao mesmo tempo, a elevação do padrão de vida dos agricultores e de seus familiares.
As pequenas propriedades constituem-se numa garantia de estabilidade de produção e oferta de muitos produtos básicos da alimentação, de menor interesse ou não contemplados pela agricultura patronal. Desta maneira, é fundamental uma conscientização em todos os níveis de a agricultura praticada nas pequenas propriedades não é simplesmente um problema, mas sim, parte da solução dos problemas do país.