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Colheita de cana: mecanizar ou humanizar?

Colheita de cana: mecanizar ou humanizar?

A discussão sobre a produção do etanol ganhou novo fôlego com a visita do presidente de George W. Bush ao Brasil, no início de março. O aumento da produção foi uma das principais pautas da conversas com o presidente Lula, mas ainda há desafios importantes que têm sido pouco abordados quando o assunto envolve a cana. Um dos mais relevantes é o dilema entre o aspecto social e ambiental da colheita manual e mecanizada da cana.

Hoje cerca de 30% das lavouras brasileiras é colhida por máquinas, especialmente no estado de São Paulo. Mecanizar a colheita da cana-de-açúcar tem sido a tendência dos produtores. Embora exija um considerável investimento inicial, é sinônimo de eficiência e de contribuição ambiental, já que elimina a necessidade de queimar as plantações. Entretanto, essa opção significa diretamente a substituição de até 100 trabalhadores por colhedora. Não há dúvida de que, com o uso de máquinas, aumenta-se em muito a produção, já que um trabalhador braçal colhe em média 7 toneladas por dia, e a máquina colhedora tem capacidade para atingir 800 toneladas por dia ou mais. Por outro lado, essa substituição contribui para o aumento do número de desempregados e consequentemente diminui a qualidade social do País e tem sido a bandeira de movimentos sociais que se preocupam com o impacto dessa mão-de-obra sem trabalho na sociedade.

Outros dados a serem considerados nesse embate é que o custo do corte, carregamento e transporte (CCT) é em média cerca de 25% menor quando a cana crua é colhida mecanicamente e cerca de 37% menor quando a cana queimada é colhida mecanicamente, em relação ao corte manual.

A questão ambiental centra-se no fato de que a opção manual exige que a área do plantio seja queimada antes que a colheita seja feita. A razão de se queimar cana é a limpeza do canavial a fim de facilitar a operação de corte, permitindo aumento na eficiência da operação tanto do corte manual, como mecânico. Entretanto, a queima da plantação têm conseqüências como a perda da matéria bruta, maiores prejuízos no caso de atraso no corte, aumento de riscos na deterioração da cana, favorecimento da infestação de microorganismos nos colmos, maior dificuldade na purificação e conservação de caldos, destruição dos inimigos naturais de pragas da cana, da matéria orgânica e da micro e/ou macrofauna, poluição atmosférica, além dos riscos de incêndios em áreas de preservação.

Além disso, as usinas estão tendo dificuldade para encontrar mão-de-obra qualificada. A escassez de mão-de-obra e o aumento de seu custo estão levando as usinas a substituir trabalho humano pelo das máquinas.

Portanto, a mecanização não tem sido apenas a busca pela redução de custos, mas também um esforço para atender à legislação e, principalmente, uma solução estratégica para a escassez de mão-de-obra.

Desde o ano passado, o Ministério do Trabalho e Emprego está exigindo dos empregadores do setor sucroalcooleiro o registro formal de todos os trabalhadores e o fim da remuneração por produtividade (sistema no qual quem colhe mais tem o maior salário). Além das dificuldades relativas à mão de obra, existe a Lei estadual nº 11.241, em vigor desde 2002, que proíbe a queimada como método de despalhamento antes da colheita. Não há dúvida de que essas exigências contribuam para inibir a contratação de trabalhadores e a substituição pela colheita mecanizada.

A lei prevê que até 2020, 100% da área de cana-de-açúcar no estado de São Paulo deixe de ser queimada antes da colheita. Com isso, a cana passa a ser só colhida mecanicamente, uma vez que é praticamente inviável a colheita manual de cana crua, na qual o desgaste físico do trabalhador é muito maior que na cana queimada, fazendo com que a sua capacidade diária seja menor, podendo chegar a valores de 47 a 72% de decréscimo, como mostram alguns estudos.

Há uma exceção da lei por caráter tecnológico: a colheita mecanizada só pode ser realizada em terrenos com declividade máxima de 12%. Portanto, para áreas com declividade superior a essa, o prazo para extinção das queimadas foi estendido até 2031.

A preocupação social desse embate recai sobre o que fazer com a massa de mão-de-obra substituída pelas máquinas. Uma solução possível dependeria do crescimento de alguns setores, como o da construção civil. Caso o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) proposto pelo governo Lula tenha sucesso, creio que contribuiria para solucionar esse dilema, na medida em que o setor da construção civil poderia absorver essa mão-de-obra, que, mesmo não tendo alta escolaridade, é extremamente técnica e eficiente, pois, para que possa ganhar mais, o trabalhador braçal colhe em média de 6 a 8 toneladas de cana queimada por dia, e de 3 a 4 toneladas de cana crua por dia. Isso requer conhecimento e prática aguçada.

Achamos importante que essa questão da colheita mecanizada e colheita manual entre na pauta das discussões do setor sucroalcooleiro, pois trata-se de um embate de interesses que levam em conta aspectos cruciais como a produtividade, custo da produção, questões ambientais e sociais de emprego. Os novos projetos que estão sendo estudados e colocados em prática pelos novos investidores em cana têm que dedicar uma atenção especial a essa questão.

Ambientalistas e Ministério Público de um lado defendem a colheita mecanizada para preservar o meio-ambiente; movimentos sociais como o MST e outros questionam a prática sob o argumento de que o uso de máquinas para a colheita contribuiria para deixar sem trabalho uma massa que pela própria natureza do trabalho de colheita de cana fica sem trabalho e remuneração em alguns meses do ano. Questionam o impacto econômico que a falta dessa renda poderá trazer às comunidades de regiões como o norte de Minas e o semi-árido, que normalmente fornecem esse tipo de mão-de-obra para as áreas produtoras de cana-de-açúcar.

Por isso, essa questão deve ser tratada com amplitude para que não deixe de atender aos interesses dos produtores que buscam eficiência, redução de custos e lucratividade do negócio, mas também não contribua para aumentar ainda mais o já tão latente problema social no Brasil.

Autores: Ricardo Caiuby de Faria é engenheiro agrônomo e diretor da Sucral Engenharia e Processos Ltda, empresa de engenharia e consultoria do setor sucroalcooleiro, com 40 anos de experiência na realização de estudos de viabilidade econômico-financeira e engenharia de detalhamento para implantação de novas usinas e destilarias, assim como projetos de co-geração de energia a partir da biomassa.

Maria Regina Meirelles de Faria, é engenheira agrônoma da divisão agronômica da Sucral Engenharia e Processos Ltda.

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